TEATRO AMADOR - REFERÊNCIAS


TEATRO AMADOR - REFERÊNCIAS



O Núcleo do Teatro de Brecht publicou os Cadernos do Teatro em mídia impressa que foi distribuído aos participantes dos cursos e do Núcleo para que houvesse um conhecimento básico sobre as técnicas de teatro para os iniciantes.

Aqui está sendo mostrado o volume nº 2 que versava sobre teatro amador.


ARTES CÊNICAS
As artes cênicas utilizam os conhecimentos culturais e de comunicação para criar, conduzir e interpretar peças teatrais que têm como objetivo passar idéias e emoções ao público. As artes cênicas são uma forma de comunicação que divulga a cultura de maneira crítica e particular, em forma de expressão artística.
Para se formar em artes cênicas, o aluno é incentivado a desenvolver uma sensibilidade artística e sua criatividade. Uma experiência prévia em teatro ajuda o aluno a desenvolver aptidão, que é avaliada numa prova anterior ao vestibular.
Ao contrário do que se pode pensar o curso de artes cênicas não é apenas prático, o aluno tem disciplinas teóricas, relativas à história do teatro, português e outras, que se intercalam com a parte prática que inclui exercícios de improvisação, capacitação interpretativa, trabalho de grupo, criação de personagens, dentre outras.
O profissional de artes cênicas pode se especializar em dramaturgia, redigindo peças de teatro ou adaptando textos literários ou cinematográficos a uma linguagem teatral, além de poder escrever telenovelas, seriados ou programas para rádio. Este profissional tem que conhecer, profundamente, a teoria, estilos e técnicas de interpretação teatral e narração.
Uma especialidade mais prática é a interpretação teatral onde o próprio artista cênico é responsável pela transmissão das idéias, para isto, ele precisa ter desenvolvidas as capacidades de tradução de emoções e sentimentos, ter controle dos movimentos corporais, faciais, da entonação de voz e outros recursos necessários para o ator. Nesta especialidade o profissional tem um esquema de trabalho muito inconstante, variando de acordo com o espetáculo, seriado ou novela. Pode trabalhar muito durante um período e ficar um longo tempo sem atividade.
A direção teatral é outra possibilidade de atuação onde o envolvimento é total com todas as etapas do trabalho, afinal, é esta especialidade que escolhe a peça, o elenco, orienta cada ator na interpretação de seu personagem, acompanha figurino, cenografia, iluminação, maquiagem, sonoplastia, trilha e muitas vezes chega até a participar da promoção das peças.
O trabalho pode ser mais específico, como é o caso do cenógrafo, que precisa pesquisar o conteúdo das peças para organizar todos os elementos cenográficos de maneira adequada ao estilo e o tempo a que o texto se refere. No geral este profissional tem que ser muito criativo para utilizar os materiais menos dispendiosos, atendendo às possibilidades orçamentárias.
O profissional pode optar por um trabalho mais teórico como a teoria teatral que requer um profundo conhecimento teórico e uma grande bagagem cultural para a pesquisa, estudo e preparação de livros didáticos em teatro, ou ainda para se tornar um crítico, escrevendo para os diversos veículos de comunicação.
O curso tem duração mínima de três anos, a titulação é de bacharel em artes cênicas e para exercer a profissão é obrigatório o registro na Delegacia Regional do Trabalho (DRT).

 

TEATRO AMADOR 

MARIÂNGELA ALVES DE LIMA

        Cada vez que mencionamos a expressão “teatro amador”, as palavras emergem carregadas de conotações que não definem a natureza da atividade. Socialmente o amadorismo é identificado ao diletantismo, coma uma atividade cujo único objetivo é a autogratificação. A crítica freqüentemente endossa essa perspectiva estreita, quando adota a classificação de “amador” para designar um desempenho tecnicamente insatisfatório. Ou, quando trata a criação teatral que não está vinculada à bilheteria com uma certa condescendência paternalista. Afinal, trata-se do lazer de um grupo de pessoas que oferece “desinteressada­mente” um espetáculo teatral.
Não há dúvida que a execução de uma obra de arte propicia ao seu criador uma dose de autogratificação quando atinge seus objetivos. E é um fato também que os amadores dedicam à construção de um espetáculo um tempo vital que seria habitualmente dedicado ao lazer. Mas esses dois fatos não resumem nem a natureza nem os efeitos do amadorismo. A satisfação que a obra proporciona ao seu criador não é exclusividade do amadorismo. Nem mesmo o caráter lúdico distingue à atividade amadora de qualquer outra criação artística. Grande parte das obras que consideramos incorporadas ao patrimônio estético da humanidade guardam, no momento do fazer, um caráter parcial de jogo e de auto-expressão que proporcionam prazer ao seu criador.
O que realmente define o amadorismo, sem levar em consideração conceitos valorativos ou critérios estéticos é o seu caráter não-econômico. Trata-se de uma manifestação teatral que não visa garantir a subsistência dos seus criadores. Quando há bilheteria, o objetivo é apenas a auto-sustentação da atividade, e não uma margem de lucro capitalizável.
Essa ausência de um vínculo equilibra as vantagens e desvantagens do amadorismo. Por um lado o desinteresse pela previsão de lucros proporciona uma liberdade na seleção da mensagem de uma obra. Sabemos que há grupos de profissionais, ou profissionais isolados que precisam, para sobreviver economicamente, moldar suas produções sobre uma média. A uma produção que oferece uma proposta interessante, mais riscos simultâneos de bilheteria, é preciso fazer seguir outra menos interessante como proposta, mas seguindo critérios de aceitação já comprovados. E o defeito de uma produção de sucesso já com­provado é, naturalmente, a redundância. Aos amadores esse desconforto, que é quase sempre a tortura ética dos bons profissionais, é poupado. Podem optar por uma criação que ainda não foi testada como receita de sucesso. Há por­tanto, para os amadores, uma margem de atuação muito mais ampla.
Por outro lado a formação dos quadros de atuação do teatro amador é ainda mais instável do que a dos quadros profissionais. Cada participante do grupo tem geralmente uma atividade econômica que absorve a maior parte do seu tempo vital. A quantidade de trabalho empregada na criação teatral é um excedente. Grande parte da capacidade de trabalho de um amador é consumida por uma atividade de natureza econômica antes do momento da produção teatral. Um grupo amador reúne, geralmente à noite, pessoas que dispenderam durante o dia energias que poderiam ser utilizadas na criação da obra teatral. E é freqüentemente que um participante, muito a contragosto, seja obrigado a abandonar um trabalho no meio do caminho, pressionado pela sua atuação de natureza econômica dentro da vida social.
A essas contradições operacionais somam-se outra, muito mais séria, de natureza ideológica. Um problema que afeta não só os artistas amadores como toda a criação cultural da sociedade contemporânea. É quando um artista, em qualquer área de atuação, liga-se a um modelo de produção específico e considera-o como um padrão a ser atingido.
No caso do teatro amador essa característica manifesta-se quando um grupo empresta do modelo profissional a estrutura e a organização operacional, imaginando assim igualar as excelências da criação do teatro profissional nos seus melhores momentos.
Na verdade, no momento em que um grupo de amadores organiza-se internamente seguindo padrões profissionais está comprometendo sua obra, fazendo uma cópia dos produtos estéticos de um teatro de raízes próprias. Esquece-se que na história da arte a aparição de um “produto” revela simultaneamente o processo de produção.
Quanto ao teatro profissional, a divisão de trabalho que está na base de um espetáculo resulta de uma série de medidas econômicas, definidas durante um pro­cesso histórico.
Basta seguir nas suas linhas mais simples, o caminho da produção de um espetáculo profissional:
Um homem de teatro escolhe uma forma de representar a realidade que ele considera adequada aos seus objetivos estéticos, sociais, e a formação técnica. Em seguida procura um produtor, que vai fornecer o capital para a realização da obra. É um ponto pacifico que qualquer pessoa que empenha um capital espera a rentabilidade desse capital.
Nesse primeiro contato entre o homem que pensou o espetáculo e o homem que vai financiá-lo surgirão reformas do projeto original. É muito provável que o produtor faça sugestões de como tornar essa criação que em princípio poderia ter como objetivo único a transmissão de uma mensagem importante mais enfeitada, mais atraente para um grande número de espectadores pagantes. Começa em seguida o trabalho de formação do elenco.
Também nesse caso a viabilidade econômica é um fator essencial. Muitas vezes é preciso entregar parte do trabalho a um ator que não está de acordo com a proposta. Às vezes isso acontece porque o ator que estaria de acordo com a proposta não se adapta ao salário oferecido pela produção. Outras vezes por­que é preciso convidar um ator que “já tem nome feito” para funcionar de chamariz de público. Nesse caso a produção procura atualmente um ator que adquiriu popularidade na televisão. E assim por diante, os mesmos critérios são aplicados na contratação do cenógrafo, do diretor e do compositor.
Entretanto, no momento do espetáculo, a representação é apreendida como um todo. O espectador presente não sabe que aquilo que ele percebe em duas horas é resultado de uma divisão especializada de trabalho. Não sabe que há um diretor, um protagonista, um coadjuvante. E não sabe também que a remuneração de cada uma dessas atividades é baseada em uma hierarquia historicamente determinada.
Por quê um diretor ganha mais do que um ator sobre a renda? Por que um dramaturgo tem uma participação de 10% na bilheteria enquanto o ator tem um salário fixo? Por que um operador do quadro de luz e do som (que geralmente é também o iluminador e o sonoplasta ganha menos do que um ator? Mistérios).
Qualquer pessoa razoavelmente leiga que conheça a interioridade da produção teatral sabe que a contribuição de cada um desses participantes é igual ao todo da obra. Se algumas dessas peças hierarquizadas através de dogmas, não funcionar no momento próprio o todo da obra será incompleto. Será no mínimo, diferente da proposta original.
Não há distinções qualitativas entre a contribuição de um ator, de um diretor, de um sonoplasta, etc. Todos são, em igual medida, responsáveis por aquela criação que é apresentada ao público. É fácil concluir, portanto, que a hierarquia se expressa apenas na divisão de salários.
Vamos considerar aqui que a imagem teatral é composta por signos de natureza diversa: o gesto, a personagem, o corpo, a palavra, o som, a organização espacial. A combinação desses signos cifrados para produzir determinada impressão sobre o espectador constitui aquilo que chamamos linguagem teatral.
uma linguagem que usa portanto em igual medida, de acordo com seus objetivos de comunicação, todos os participantes de uma representação teatral.
Um ator não pode executar sua parte se não tiver a noção do espaço, do som e da movimentação geral de um espetáculo. Todos os participantes precisam conhecer o desenvolvimento temporal da representação, se não quiserem correr o risco de colocar o efeito de som, ou um diálogo, na hora errada.
Conclui-se portanto que a natureza da representação teatral é essencialmente contrária à divisão especializada do trabalho. Se a representação se manifesta como um todo, com uma linguagem, parece absurdo conferir uma hierarquia ao processo de produção.
Essa divisão de trabalho é em princípio apenas um assunto interno, trans­parece na obra como fragmentação da proposta original. É comum ouvirmos, à saída de um espetáculo comentários desse tipo: “Gostei da peça, mas não gostei do espetáculo”. Ou: “Gostei do ator X, mas achei o ator Y péssimo”. E assim por diante.
Essas coisas acontecem quando a obra deveria ter impressionado o espectador como um todo. É raro ver o mesmo comentário aplicado a uma música, a um livro ou a um quadro. Se uma obra de arte é realmente um ser vital no mundo não podemos arrancar-lhe pedaços. Um quadro de Rembrandt não inspira seguinte avaliação: “Gostei do nariz, mas não gostei do cabelo”.
Esse desmembramento ocorre no teatro porque alguns homens optaram, em um determinado momento da história, por moldar a criação artística segundo o processo de produção dos bens de consumo. Até chegar a um ponto de tentar repetir, na produção de um espetáculo, o sistema da linha de montagem. Espetáculos em que cada pessoa conhece apenas a parcela que deve executar completamente alienado da significação global da obra.
Mas há uma diferença fundamental entre a produção teatral e a produção industrial. A linha de montagem pretende oferecer um funcionamento global, mas que não seja entendido como um todo. Quando uma peça se quebra é possível substitui-la. Em um espetáculo, entretanto, quando uma peça não funciona, nada mais pode ser feito para repará-la ou substitui-la. Um espetáculo tem uma existência temporal. Não se pode recuperá-lo através de uma operação especial. Quando é produzido por partes e uma dessas partes não está em harmonia com as outras, o efeito já foi transmitido ao espectador, irremediavelmente.
Há momento, mesmo dentro da história do teatro brasileiro, em que a criação teatral esforçou-se para utilizar um processo de trabalho diferente da linha de montagem. São momentos geralmente considerados como os pontos mais altos (como realização artística) da história do nosso teatro. Isso acontece quando o trabalho de um grupo se delineia, visível para os espectadores, como uma obra coletiva, encobrindo as contribuições individuais. Posso lembrar do Arena, do Oficina, do Tablado. São grupos em que a especialização de atividades não desapareceu. Mas que constituíram tentativas de amenizar essas divisões reunindo um grupo de interesse comum em que todos os participantes eram idealmente responsabilizados pela obra teatral.
Realmente, quando falamos de teatro de grupo quase utilizamos a expressão de “saudosa memória”. Pelo menos em São Paulo o panorama atual é marcantemente o da produção isolada. Seguindo o processo de produção de espetáculo descrito inicialmente.
Nos últimos dois anos o panorama do teatro paulista funciona como uma colcha de retalhos, em que é muito difícil descobrir as razões que fazem com que Alguém tenha escolhido tal texto, dado a esse texto, tal enfoque e assim por diante. E há com freqüência os espetáculos que são, isoladamente, uma colcha de retalhos com todas as costuras visíveis.
Nenhum criador pode transmitir, com a mesma eficácia, duas verdades opostas. Por isso os atores que transitam, ao sabor das necessidades do mercado, de uma produção para outra, devem necessariamente correr o risco de apresentar um trabalho qualitativamente desigual.
Sobre o profissionalismo podemos dizer que nossos homens de teatro estão derivando. Falta-lhes uma unidade. Falta-lhes uma verdade. Falta-lhes a possibilidade de participar de um espetáculo em que todos os executores estejam igualmente empenhados.
Mas todos esses fatores são resultados de uma série de condições históricas que tornam o teatro, como qualquer atividade social, vulnerável aos processos econômicos que caracterizam a totalidade de um sistema.
Ora, o que distingue o amadorismo é exatamente a liberdade relativa das determinações econômicas. Relativa, porque o fato de um individuo ter que trabalhar o dia inteiro e dedicar ao teatro seu tempo de lazer já é uma determinação de natureza econômica. Ainda assim o amador não tem um tempo fixo para a preparação de um espetáculo. Pode assim compensar em parte a falta de tempo para trabalhar. Não precisa fazer render seu capital no prazo de vinte dias ou de um mês.
No momento em que algumas pessoas se unem espontaneamente para a formação de um grupo amador, partem de uma motivação comum que é a vontade de representação. É esse o traço inicial de afinidade. Na maior parte dos casos a função do teatro (ou seja, o efeito que a representação deverá provo­car nos espectadores) é uma consideração posterior. (Há grupos, menos freqüentes, em que a função do teatro é o fator primordial de agregação - o teatro didático, por exemplo).
Assim esse grupo unido pela vontade de representação abriga visões do mundo diferentes, histórias pessoais diferentes, concepções estéticas diferentes. Entretanto, a crença comum é a de que essas experiências originais encontram sua melhor forma de expressão na representação teatral.
Em algumas pessoas essa vontade de representação foi estimulada pelo conhecimento do teatro profissional. Em outros o participante é praticamente virgem de experiências teatrais. Extrai sua intuição da força do teatro através da representação espontânea, do teatrinho da vida que se manifesta desde os jogos infantis até o processo de “assumir papéis” na vida social.
Assim, esse impulso para a representação sistemática e consciente tem origem numa aptidão natural para a representação na vida. E é nesse ponto que podemos encontrar uma explicação parcial para a origem do teatro dentro de uma cultura, assim como, explicar a permanência do teatro dentro de condições históricas adversas.
Sem dúvida o argumento é aparentemente metafísico. Mas apenas porque a ciência não encontrou jamais no organismo humano uma célula onde esteja sediado o impulso da representação teatral. Por outro lado, a antropologia é uma fonte de argumentos, quando documenta a representação teatral em níveis diferentes de cultura. Há ainda a contribuição dos psicólogos que, estudando a evolução dos jogos infantis, destacam o caráter de representação teatral, mimético ou criativo em diferentes faixas etárias. Não se trata, portanto, de navegar no território do imponderável. Os homens representam para compreender-se, para compreender o mundo e, para transmitir sua compreensão de si mesmo e do mundo para seus semelhantes.
Essa parece uma boa razão para explicar a existência do teatro no século XX.  No século em que o teatro tem a sua eficácia quantitativa alterada pelos meios de comunicação de massa. Dentro de uma multidão de apóstolos do Apocalipse, aparecem grupos humanos agregados exatamente pela vontade de representação teatral, pouco preocupados com as condições que envolvem e moldam na história presente a manifestação teatral.
Um pouco de teatro amador, com todas as suas peculiaridades individuais e sociais é, pela sua existência, uma manifestação da aspiração humana de expressar-se teatralmente. É lógico que possa ser, portanto, pela espontaneidade da formação, uma ponta de lança para a experimentação, para a inauguração de novas maneiras de compreender e expressar o mundo.
Considerando-se que todos os seres humanos são aptos para teatralizar suas experiências vitais, todos os membros de um grupo reunidos pela vontade de representar têm a mesma capacidade para interferir e colaborar na produção de uma obra. ‘Um grupo que considere esse fato, que analise essa condição fundamental da sua existência, estará dando um passo no sentido de eliminar a divisão de trabalho que fragmenta a criação.”
Essas considerações evitariam o problema de muitos grupos amadores que seguem pacientemente o modelo de produção do profissionalismo. Há grupos amadores que dividem, na primeira representação, os atores mais ou menos talentosos, o diretor, o cenógrafo, etc. E assim por diante, até que o espetáculo revele uma estrutura interna copiada “ipsis literis” do profissionalismo. Nesse caso as críticas do público inexperiente revelam o mesmo conteúdo valorativo dos “habituês” das casas de espetáculo: Fulano estava ótimo, o cenário estava péssimo, etc., e tal! Geralmente os critérios que o grupo amador adota para operar a divisão de trabalho se apóia totalmente no modelo adotado. Os atores “mais talentosos” são aqueles que assimilaram técnicas dos atuantes profissionais. Mesmo quando essas técnicas não tem nada a ver com a proposta da encenação do grupo.
A contra proposta para essa situação tem bases iniciais muito simples.
É suficiente que o grupo parta do princípio de que, além das diferenças individuais de treinamento, todos os participantes são igualmente aptos para expressar-se dramaticamente. Há, além da capacidade inata, uma intensificação dessa capacidade, através de uma escolha consciente. O grupo está unido socialmente pela vontade de representação. Escolheu dar a essa aptidão inata a forma visível de um espetáculo. Vão transformar, portanto, o virtual em um projeto de comunicação com outros homens.
Essas considerações iniciais determinariam em grande parte o processo de trabalho que vai até a concretização de um espetáculo.
Quando todos são igualmente responsáveis pela criação teatral as experiências de vida fundem-se naturalmente à proposta coletiva. E é dessa proposta coletiva, soma harmoniosa de todas as contribuições individuais, que surge a conceituação da função do teatro para determinado grupo.
Um grupo de pessoas que vivem numa pequena cidade do interior tem certamente características diferentes das de um grupo que vive em uma cidade grande. É provável que os problemas individuais, o tipo de trabalho dos participantes, as informações culturais, sejam típicas de um sistema agrário de produção, e muito diferentes das condições de um sistema industrial. A experiência vital de cada participante terá, portanto, um traço coletivo, na medida em que é afetado e atua sobre as condições do meio, na medida em que é informado pela cultura da região onde está situado o grupo.
Se é concedido um crédito a cada participante para revelar teatralmente sua experiência, a dose de verdade e intensidade de uma representação teatral, será muito mais intensa do que a verdade de uma representação que apenas imita experiências alheias aos participantes.
Há ainda a considerar o fato de que essa obra revelará, na sua concretização, a Unidade que resulta de um compromisso equalitário de todos os criadores.
Quando o grupo teatral investiga as condições de vida de todos os seus membros, quando oferece oportunidade para que essas condições emerjam no espetáculo, encontrará as raízes comuns com todas as pessoas que vivem dentro de condições semelhantes. Terá a seu dispor um vínculo natural com o público, que vivencia os mesmos problemas.
Tudo isso não constitui, naturalmente, a proposta de um teatro regionalista. Freqüentemente, na história da arte, a dimensão de uma obra é dada pela sua capacidade de projetar-se no tempo e no espaço. Mas para que isso possa acontecer, é preciso que a obra inclua no processo de produção, o compromisso profundo do seu criador.
O mesmo acontece com uma obra teatral para que um espetáculo atinja pro­fundamente o maior número de pessoas é necessário que ele contenha o compromisso do seu criador. E, como um espetáculo é um trabalho coletivo, como um livro, ou qualquer outra arte, deve expressar a verdade das pessoas que o construíram, para poder projetar-se além das condições de vida particulares dessas pessoas. E essa verdade só pode ser obtida se o grupo estabelecer clara­mente para si mesmo as relações entre a arte que fazem e as condições de vida que são peculiares do seu tempo e do seu espaço.
Um grupo amador disposto a revelar na representação o compromisso de todos os participantes, seguirá naturalmente um processo de trabalho completa­mente diverso da montagem de uma encenação profissional.
Inicialmente o grupo utilizaria um processo de trabalho caracterizado pela pesquisa em diferentes níveis. Pesquisa das condições históricas de todos os participantes. Pesquisas das condições do público. Pesquisa de uma teoria teatral adequada, para expressar os conteúdos investigados pelo grupo.
Por teoria teatral entenda-se aqui uma série de conhecimentos teóricos disponíveis, que podem ser adequados na sua totalidade, ou apenas parcialmente, ou combinados, até que o grupo formasse a sua própria teoria teatral. Ou seja, um aparato teórico próprio e adequado, é especificidade da sua prática.
Tudo isso é muito diferente do trabalho que começa com a escolha da peça. Geralmente o repertório dramático disponível já traz implícita a sua execução. Se tomarmos como exemplo uma peça de Jorge Andrade. Os conteúdos apresentados são certamente importantes e compreensíveis para uma grande parte da população brasileira. Entretanto sua execução supõe uma série de recursos técnicos que fazem parte do arsenal histórico do teatro profissional. O ator deve dominar especialmente a expressão verbal, deve saber compor uma interiodade psicológica para a personagem, etc. Um grupo amador que pretenda executar uma peça de Jorge Andrade, mas que não domine este tipo de técnica, realizará uma encenação qualitativamente inferior a de um grupo de atores pro­fissionais que passa três ou quatro anos treinando o método Stanislavski, técnica de play-whiting, impostação de voz, etc.
Pelo contrário, um trabalho que começasse pela pesquisa do grupo, antes da seleção de um texto, desencadearia um processo de aprendizagem que não é unicamente adequado para a representação teatral. Não seria apenas a técnica teatral, embora o processo ocorra durante o fazer teatro.
Primeiramente o grupo determina a área de conhecimento, que informará a representação. Realiza assim um trabalho de levantamento das suas condições culturais, das condições mais amplas dos grupos sociais que partilham sua experiência de vida.
Nesse trabalho algumas prioridades serão delineadas: o que  é comum? O que é urgente? Como fazer?
Acontece então, naturalmente (porque experiência vivida) a opção do grupo em relação à função do teatro. Escolham uma área que considerem mais importante para a representação. E depois decidem no “como fazer”, de que maneira o conhecimento adquirido na pesquisa deve ser transmitido ao espectador. Deve emocioná-lo? Deve fazê-lo refletir? Deve fazê-lo tomar uma posição? Qual? E assim por diante. A resposta a cada uma dessas perguntas dará ao grupo a sua própria teoria teatral. Escolhendo o objeto da representação, escolhendo a forma de atuação sobre o público, escolherá naturalmente a sua forma peculiar de proposta estética.
Uma das objeções que se pode fazer a essa proposta é a seguinte: por que o teatro? Afinal, um grupo de pesquisa pode expor o resultado do seu trabalho, através de um texto informativo, assim como através de qualquer outra forma de representação artística.
Mas o que é que une um grupo de teatro amador é exatamente a vontade de representação. Se fosse o futebol, seria o futebol, mas não é. Para quem considera que o amor ao teatro precisa de uma justificativa; é perfeitamente possível justificar, ressaltando a potência da representação teatral.
No momento que um grupo de pessoas representa em três dimensões uma vivência coletiva, está oferecendo aos espectadores, e a si mesmo uma imagem sintética dessa experiência. Enriquecida pela contribuição de cada participante, que acrescenta à experiência original sua opinião, suas emoções, sua maneira insubstituível de conceber o horror e a beleza. O conhecimento adquirido e representado não é mais a informação fila, mas a informação ampliada pelas relações descobertas pelos atenuantes.
A representação teatral, idealizada coletivamente, será a manifestação do terreno que os participantes desenvolveram para o diálogo. Será construída por um sistema de propostas e respostas permanentes, entre os participantes. E quem está apto para responder e prestar atenção nas propostas dos companheiros, estará apto para sintonizar-se da mesma forma com o público no momento da representação.
O que o público vê em cena, como material de obra de arte, é um homem com a mesma forma física, a imagem das suas próprias aptidões. Se esse homem que está em cena, pode refletir o mundo e representá-lo, utilizando para isso apenas seu corpo e seu psiquê, todos os espectadores presentes são dotados de atributos para a resposta.
E há mais: se esse grupo em cena consegue, através do teatro estabelecer um diálogo vivo entre os participantes, assim como entre a representação e a vida, todos os espectadores presentes poderiam dar-se ao trabalho de fazer o mesmo.
Isto quer dizer que, além da montagem especifica de um trabalho, um grupo amador poderia lançar sempre uma outra proposta, a proposta de fazer teatro. Porque todas essas coisas que acontecem no fazer teatro (compreensão, organização, diálogo, compromisso) são coisas que bem poderiam acontecer na vida.

O TEATRO NOVO

 HAROLD CLURMAN, que apresentamos a vocês, foi um dos mais destacados diretores teatrais dos Estados Unidos. Ele ajudou a fundar e foi o principal diretor do importante Grupo Teatral da década de 30 e descreve essa experiência em seu livro “The Fervente Years”. Dirigiu também, as primeiras apresentações de obras de escritores teatrais famosos como: Eugene O’Neill, Clifford Odets, Lilian Hellman, William Inge e Arthur Miller. Hoje é crítico teatral do “The Nation’, e uma coleção de suas críticas foi publicada em “Lies Like Truth: Theatre Reviews an Essays”.
O que constitui o cerne da maior parte das manifestações do teatro novo na Europa e Estados Unidos, é a ênfase da ação no palco e não a importância literária da peça. Encontra recentes exemplos para expor a virtude do vigor e do perigo da negligência. Este artigo foi extraído do número de fevereiro de 1971, da revista “Harper’s”.

O TEATRO NOVO


HAROLD CLURMAN

 Existem duas atitudes prevalecentes em relação ao que se denomina teatro novo ou de vanguarda. Há os seus defensores diletantes e há aqueles que são os seus difamadores ferrenhos. Ambos estão errados. Na prática, o fenômeno possui aspectos tão diversos e métodos tão ecléticos, que desafia uma rotulação.
Acima de tudo essa nova forma é uma reação ao realismo vulgar. Mas não há nada de particularmente novo nisso. O teatro realista é em si um desdobramento relativamente recente, tendo sido iniciado há mais ou menos um século. O No e o Kabuki japoneses e o teatro clássico grego formam e ainda são na medida que ainda existem, teatros totais. Têm pouco em comum com o realismo dos séculos XIX e XX.
De um modo geral, o teatro novo evita a literatura como fator primordial. No teatro moderno não é mais essencial o drama com um enredo a ser desenvolvido, ilustrado e interpretado pela ação no palco. Aquilo que comumente chamamos de peça, e que é a obra de um dramaturgo cuja expressão verbal é o centro do acontecimento teatral, já não é fator predominante. Um texto respeitável pode ser o trampolim para o que se vê no palco, mas é usado de um modo que tornaria difícil a seu autor reconhecê-lo e até mesmo aceitá-lo como sendo de sua autoria. As palavras usadas foram absorvidas em um contexto de movimentos físicos, som, luz, episódios improvisados e de incidentes que, tomados em sua totalidade, formam o que constitui uma nova peça possivelmente com um significado diferente.
Todo o drama, no teatro, passa por uma tradução da idéia ou tema inicial, que é enunciado em diálogo com o vocabulário do palco: a representação, o cenário, a direção. O Hamlet, de Shakespeare existe apenas como texto impresso; o que vemos no teatro é o Hamlet deste ou daquele ator ou desta ou daquela companhia teatral. Contudo, no teatro formal de nossa era o ponto habitual de referência é sempre o texto original. A gesticulação e a mímica, os figurinos, montagens de cenário, a luz e o som, as improvisações, que podem até incluir a participação da platéia, às vezes se sobrepõem à importância da palavra falada ou do texto. No teatro a peça é o produto de um jogo coletivo.
 Palavras Contra Movimento
A redução da obra dramática a uma função de cenário num contexto mais amplo da representação total da companhia é o traço marcante e principal do teatro novo. Meyerhold, grande diretor russo e, até certo ponto, o precursor não reconhecido da maior parte do que hoje se considera moderno em teatro, fraseou a nova estética: “No teatro as palavras são apenas complemento das formas de movimento”. Isto foi escrito em 1908, antes de Gordon Craig publicar, em 1911, ponto de vista idêntico, nos Estados Unidos.
Esses pioneiros são raramente citados pelos aficionados do teatro novo americano ao contrário de Antonin Artaud, ator francês e profeta teatral, que é sempre citado. Dois títulos de capítulos de seu livro, “The Theatre and lis Double”, tornaram-se slogans do novo movimento. Esses capítulos intitulam-se Teatro da Crueldade e Basta de Obras Geniais.
Para se entender as teorias de Artaud, é necessário traduzir suas declarações essencialmente poéticas para uma linguagem mais sóbria. No vocabulário de Artaud crueldade que dizer intensidade. Ele desejava que o teatro atingisse a força’ dos fenômenos naturais como o relâmpago e o trovão. “Essa crueldade”, escreveu em carta a um amigo, “não quer dizer sadismo ou violência física... não é, também, um culto sistemático do horror... A palavra crueldade deve ser tomada em um sentido amplo... Do ponto de vista da mente, crueldade significa rigor, intenção e raciocínio implacáveis, determinação irreversíveis e absoluta”.
Em certas manifestações do teatro novo norte-americano espera-se muito de elementos como o acaso e o acidente, que são coisas que podem acontecer durante o livre intercâmbio dos atores com o público. No exemplo de Artaud de representação perfeita como no teatro de Bali, que é do mais alto nível, ele diz que “tudo é organizado com encantadora e matemática meticulosidade. Nada é deixado ao acaso, ou à iniciativa particular”.
Quanto ao Basta de Obras Geniais trata-se de um apelo para que a importância da palavra escrita seja substituída pelo valor do espetáculo, da movimentação, da música, dos gemidos e choros e outros efeitos sonoros. A receita de Artaud lembra a de Gordon Craig: “Quando os literatos se conformarem em estudar a arte teatral como uma arte separada da arte literária, não haverá mais nada que nos impeça de recebê-los em nossas casas.”
Essas citações fazem parte da retórica do movimento e essa retórica como na política, não é nem ilustrativa nem conclusiva. Craig e Artaud nunca tive­ram oportunidade de concretizar suas teorias numa produção real. Exemplos de peças representadas atualmente são mais ilustrativos do que manifestos.
 Uma Metáfora Teatral
Em Motel, parte do tríptico intitulado América, Hurrah! encenado por Joseph Chaikin e planejada com a colaboração de Jean-Claude van Itaílie, vemos um manequim que anuncia as atrações de um motel. Sua fala é uma gravação. Enquanto a propaganda jorra da máquina, um homem e uma mulher entram em cena grotescamente mascarados. Talvez seja um casal em lua-de-mel. Escrevem obscenidades na parede. Quebram quase tudo que há no palco antes de irem para a cama. Enquanto se aproximam deste clímax, luzes ofuscantes são projetadas sobre a platéia e um ruído ensurdecedor, a cacofonia de nossa civilização enche o auditório. Motel é uma metáfora teatral representativa de nosso meio. O que é verbalizado só tem importância em relação ao que experimentamos através do assalto auditivo e visual a nossos sentidos.
Dionysus in 69 que é uma livre adaptação de As Bacantes, de Eurípedes, pelo Performance Group, de Richard Schechner, emprega muitos dos elementos sugeridos por Artaud em seu programa para um teatro de crueldade. Em seu livro Up Against the Fourth Wall, John Lahr, que é um defensor entusiasta do teatro novo, descreve um trecho das atividades da noite: “O tema é a nova autoconsciência em relação ao corpo e à libertação dos instintos sexuais. Os atores em Dionysus são ensaiados até atingirem um nível acrobático de representação. Há homens estirados pelo chão enquanto mulheres montam sobre eles prendendo-lhes os quadris com as pernas. Corpos deslizam por baixo de pernas, e dorsos nus ondulam em sinuosos renascimentos... A platéia também é condicionada a sentir novas emoções, pois o palco é envolvente, construído em três alturas, para permitir que a platéia tenha uma visão da representação em várias perspectivas. Os artistas podem subir os degraus deste palco, podem esconder-se ou andar livremente. O Performance Group, de Schechner, pretende ampliar a compreensão da liberdade pela platéia fazendo da expressão teatral uma aventura física”.
Alguns atores no palco tocam discos, outros tocam tambores. A platéia é convidada a participar de suas danças e os atores fazem movimentos de envolvimento amoroso com os espectadores. Em certas ocasiões os atores dizem frases que se relacionam com suas vidas privadas; fazem até referências a pessoas na platéia. Na noite em que assisti ao espetáculo houve uma referência ao grande deus Harold Clurman.
Mas Eurípides não foi de todo omitido nem no tema nem na fraseologia. Sua mensagem foi invertida de acordo com a ideologia da mocidade contemporânea. A peça As Bacantes, de Eurípides, dramatiza o conflito entre o ascetismo repressivo e militante e a licenciosidade dionisíaca. O dramaturgo grego, como moderador, demonstra as falhas de ambos os extremismos. Os ascetas tiranizam os sentidos e são, por isso, destrutivos; a paixão dos celebrantes de Baco cresce até a fúria assassina. Mas os bacantes de Schechner, moças e rapazes bonitos, saem vitoriosos: banham-se no sangue do ditador e censor e marcham triunfalmente pela cidade. Sua política é do êxtase.
 O Caminho da Abstração
Esses exemplos tão diversos do teatro novo têm uma coisa em comum: a abstração ou, colocando-se o assunto em forma negativa, o não-realismo. Eles não espelham a natureza. O caminho da abstração, a fuga ao realismo, nos foi apresentado para não irmos muito longe no tempo no exemplo dos escritores teatrais reunidos sob o título de Teatro do Absurdo, inventado na Inglaterra por Martin Esslin. Talvez esse rótulo seja infeliz, pois designa homens como Beckett, lonesco, Genet, Pinter, que são muito diferentes entre si.
Esses autores teatrais não devem ser confundidos com o teatro novo ou de vanguarda; são, apesar de toda a novidade de seu gênero e intenção, inteiramente tradicionais, isto é, são dramaturgos literários. Se os menciono no presente contexto é apenas para indicar que seu desvio das técnicas de seus precursores imediatos serviu para libertar a geração seguinte de atores de um naturalismo confiante que era a representação da vida como a vemos habitual­mente. Seus dois motes poderiam ser tirados do ator francês Coquelin, que dizia: “Sou pela natureza e contra o naturalismo”, e de Sartre: “O teatro nada tem a ver com a realidade, mas com a verdade.”
Se quisermos fazer mais uma generalização sobre os absurdistas podemos dizer que a verdade por eles percebida é a falsidade das aparências, a tolice em pressupor que nossas hipóteses racionais revelem a essência da vida. O que eles vêem é o paradoxo grotesco só ser, tão cômico quanto assustador. Na peça de Saul Bellow The Last Analysis, a disposição de espírito prevalecente nesta geração absurdista de teatro é resumida numa frase: “As coisas se misturam entre o riso e a insanidade.”
Outra forma pela qual os dramaturgos rebeldes da década de 1950 (na sua maioria, a princípio parisienses) influenciaram a geração que consideramos foi na caracterização dos personagens. Esses já não são indivíduos, mas sim estados de espírito, idéias, tipos, símbolos, máscaras. A psicologia foi virtualmente abolida. Não podemos falar dos tipos de Beckett, por exemplo, como falamos de Hedda Gaber, de Ibsen, de Gaev, de Chekhov. ou de Otelo. O que toda a nova dramaturgia procura é uma regressão à mais antiga forma de drama. (Podemos dizer que Édipo é uma psicologia, mas não podemos dizer que tenha uma psicologia!) A intenção em tais dramas é de projetar modelos básicos ou estruturas de vivência humana. Por isso os dramas são parábolas ou mitos.
Isto explica, de certo modo, uma outra característica do teatro novo. Os atores mudam freqüentemente de papel de uma para outra representação e às vezes até na mesma representação. Estão habituados a desenvolver um trabalho específico. O que fazem fisicamente e o que dizem (se é que dizem alguma coisa) é o que constitui a sua caracterização. As nuances e as sutilezas individuais quase não têm importância: a função do tipo dentro do esquema geral de ação é o que conta. Mas há, geralmente, muito pouca diferença na representação e nas apresentações do teatro novo. Geralmente bastam a energia e a vontade do ator de se submeter às exigências do papel com entusiasmo e coragem.
 Grotowski:Uivos e Gemidos
Existem artistas talentosos entre os lideres dos grupos de teatro novo, mas, até agora, só um gênio: Jerzy Grotowski, fundador e diretor do Teatro Polonês de Laboratório. Ele é o às da escola, não só por sua originalidade, como também pela oportunidade que lhe foi concedida pelo seu governo, que lhe permitiu montar um laboratório onde os atores podem ser treinados num árduo sistema para formar uma companhia com garantia de trabalho permanente.
Grotowski dispensa cenário e figurinos naturalisticamente identificáveis. Em sua arte não há apelo sensual. Para que haja maior entrosamento com os atores, o número de espectadores não ultrapassa jamais uma centena. Em certas ocasiões, a platéia é colocada acima do palco, assistindo ao espetáculo que se desenrola corno numa arena. O público cerca a ação.
Os textos escolhidos são adaptações de obras famosas, mas as palavras usa­das são mais parecidas com uma cantilena, ou espasmos de paixão do que com um diálogo comum. O ritmo é tão excitante, que torna difícil a compreensão até mesmo para quem entende polonês. As modulações vocais criam efeitos de grunhidos e gemidos, soluços e imprecações. Lembra-nos a escala musical dodecafônica. Os atores parecem que se atacam uns aos outros em vez de dialogarem. Rastejam, caem ou são empurrados, carregados de um lado para o outro, e, no decorrer do furioso processo, são obrigados a posições que poderiam chamar de acrobáticas ou de ballet, se sua intenção não fosse totalmente diversa da ginástica ou da dança.
A estranheza da arte de Grotowski não é ditada apenas pela sua opção por uma forma de expressão. Seu tema é o massacre da inocência. Ele tinha oito anos de idade quando os nazistas ocuparam seu país; aprendeu muito cedo a respeito do mundo dos campos de concentração. O que vemos em seu trabalho abstrato é a tortura da humanidade. Torturados e suas vítimas estão presos ao mesmo horror, tudo se apresenta igualmente cruel. No inferno de Gro­towski todos são igualmente inocentes e culpados. Sem moralizar ou fazer ser­mão, o espetáculo sugere a purificação pelo martírio.
Em vista disso podemos entender por que o sistema de Grotowski obriga o ator a uma disciplina, tanto física como vocal, extremamente extenuante. As demonstrações de virtuosismo, ou aquilo que nos parecem contorções fantásticas, são experiências nunca antes tentadas no teatro. Foram escolhidas como uma maneira de libertar o ator de sua falsa situação, de todas as inibições e falsidades, de todas as reticências e evasões impostas pela sociedade e que não lhe permitem mostrar a verdade do seu mundo interior. Quando o ator consegue fazer isto, segundo reza a teoria, até nós mesmos nos sentimos transfigurados.
Muitos de nossos diretores novos foram grandemente influenciados pelas aulas de Grotowski a que assistiram na Polônia, na França ou em Nova lorque. Mas esta influência, é preciso que se diga, é mais técnica do que substancial.
O contexto da arte de Grotowski não pode ser transmissível, não dá margem a duplicações.
 O Teatro Vivo
O Teatro Vivo (agora morto) é o mais conhecido e notório de todos os grupos de vanguarda dos Estados Unidos. Teve seu início em Nova Torque, como organização dedicada aos novos autores teatrais. Depois de passar pela Europa, o grupo alterou seus métodos e objetivos artísticos, em parte devido à influência do modelo de Grotowski. Suas apresentações impressionavam e escandalizaram muitos. Quando voltou aos Estados Unidos, o Teatro Vivo desencadeou uma considerável controvérsia e teve seus admiradores e seguidores fervorosos.
Alguns elementos das primeiras produções do Teatro Vivo das peças de Jack Gelber, The Connection, e de Kenneth Brown, The Brig, foram amplia­dos em sua fase européia. A despeito de seus toques pós-pirandelianos, The Connection não era essencialmente um teatro novo. Sua forma era naturalista, mas seus efeitos semipoéticos. O tema da peça era o vício dos entorpecentes, trazendo à luz os sintomas traumáticos do complexo social da década de 1950. Os personagens da peça aguardam a ligação, a pessoa que lhes entregará a heroína, que é o seu modo de fugir ao desencanto da realidade do dia-a-dia. O que somos levados a sentir era a necessidade deles se ligarem a alguma coisa diferente da nossa normalidade. Era uma busca de alguma espécie de liberdade interior.
The Brig foi quase um documentário. Na descrição do tratamento brutal dos encarcerados num agrupamento de prisioneiros do Corpo de Fuzileiros Na­vais, podia-se notar um símbolo da destruição deliberada do moral humano pelo longo -braço oficial do detestado Sistema. Em Frankenstein, a mais coerente das últimas produções do Teatro Vivo, vemos o homem estripado e esquartejado, em seguida remodelado como um gigantesco robô. A visualização de ambas as operações foi brilhante. Essas imagens cênicas davam corpo às várias manifestações de protesto do Teatro Vivo, caricaturas, canções, apelos, direto ao público, incitação à ação de rebeldia.
Mas., embora muitas das técnicas de Brecht e Grotowski tivessem sido usa­das, o Teatro Vivo fez muito pouca coisa com verdadeiro talento. Seu modo de pensar era ainda mais amorfo. Enquanto a Companhia invocava um mundo onde o homem pudesse ser livre e amoroso, a atmosfera de suas representações era em si hostil. Quase não havia alegria nem em suas apresentações nem na receptividade da platéia.
Contudo a sinceridade evidente no fanatismo do grupo que vivia o que pregava impunha certo respeito. Sua maior contribuição foi fora do âmbito teatral. Devemos-lhe creditar isto, quando nosso teatro é preponderantemente banal e complacente. “O essencial nesta época de pobreza moral é criar com entusiasmo”, disse Picasso.
 O Uso do Ritual
Outro grupo notável é o Teatro Aberto, que obteve elogios e chamou a atenção por sua apresentação da obra de Jean-Claude van Itallie, América, Hurrah!, uma peça em três partes. Os dois primeiros episódios relembram o expressionismo da década de 1920, enquanto que o episódio final, Motel, se deslocou até o limiar do teatro novo. A representação, porém, de The Ser­pent, dessa mesma organização, pode ser colocada nessa categoria. Na verdade, The Serpent, dirigida por Joseph Chaikin e Robert Sklar, com cenário de Jean­-Claude Van Itaílie, é talvez a melhor peça que o teatro de vanguarda já produziu nos Estados Unidos. Sua fonte estética é Grotowski; seu tom é levemente humorístico e liricamente meditativo.
The Serpent mostra Eva nascendo da costela de Adão, sua subseqüente tentação pela serpente e sua sedução de Adão. Segue por uma copulação em massa, moderadamente sugerida com o acompanhamento do termo bíblico que a gerou entoado por duas vozes femininas. Como conclusão, os participantes (toda a humanidade) emitem gemidos de agonia: o sexo não é só o prazer! Há uma pantomima a admirável sobre o assassinato de Abel por Caim. A peça termina com toda a companhia cantarolando “Navegamos por uma baía enluarada”, e depois os atores vêm sentar-se na platéia como que meditando sobre o profundo mistério de tudo isso.
Não há figurinos e os atores se apresentam descalços e em trajes comuns de trabalho. O som é percussivo ou semelhante ao som da flauta. Há a musica da vida animal e vegetal em seus estágios de fecundação. Os atores concorrem, também, com balidos, relinchos e mugidos. Em certo momento vê-se a. ser:
pente em uma árvore balouçante (formada pelos corpos dos atores) carregada de cintilantes maçãs vermelhas: uma imagem encantadora.
Um dos aspectos de The Serpent merece atenção especial por ser representativo de uma tendência específica do teatro novo, seu caminho em direção ao ritual. O ritual nasce de uma lembrança conjunta do passado ou de uma prá­tica tribal já aceita. A escolha do livro do Gênese como um arcabouço para The Serpent foi muito feliz, já que todos conhecemos a estória. Porém, muitos dos atuais esforços teatrais para atingir uma condição ritualista fracassaram por não se basearem num campo comum onde as multidões de nossos compatriotas sintam suas raízes.
Grupos de métodos mais eruptivos e violentos do que o Teatro Aberto fazem produções esporádicas. Seus nomes — como o Teatro de Guerrilha já sugerem sua natureza. O Teatro da Coragem, dirigido por Henrique Vargas, dedica-­se especificamente às populações de Harlen oriental e dos guetos, principalmente porto-riquenhos. Os alvos desses teatros é mais diretamente político-social do que o Teatro Aberto.
Há o projeto Manhattan (de diplomados pelo programa teatral da Universidade de Nova Torque). Sua apresentação de Alice in Wonderland revela o diretor André Gregory como um artista de teatro sincero e capaz, cujo trabalho junto a Grotowski ajudou-o a estimular a coragem física e a agilidade dos atores de sua companhia, às vezes com resultados atrevidos. No entanto, descobri que a ferocidade de Grotowski aplicada às páginas da grande obra de Carrol, com exceção de alguns instantes divertidos, fracassou em seu intento de alcançar um principio satisfatoriamente estético. Mas houve na representação uma promessa do que a companhia poderá realizar, com sua exuberante energia, em uma ocasião futura, se dispuser de material mais adequado ao seu talento.
 Happenings e Slogans
O limite extremo atingido pelo teatro foi o happening. Estendeu-se de tal forma, que ampliou o significado de teatro até sua extinção. (lonesco já se referiu à sua obra como sendo o antiteatro, mas é uma espécie de brincadeira para chamar a atenção. Suas peças são legítimas). Os happenings são realizados nas ruas, nos parques, nos subways, em qualquer lugar onde os espectadores possam ser levados a reagir espontaneamente.
Em seu livro Public Domam Richar Schechner descreve um parte de um happening de dois dias concebidos por Allan Kaprow, um dos líderes desses experimentos: uma jovem está pendurada de cabeça pra baixo numa árvore. Ela é uma de cinco pessoas penduradas em cordas, em vários dos bosques rurais de Nova Jérsei. De lugares distantes da úmida outras pessoas, batedores, começam a chamar pelo nome as cinco pessoas penduradas nas árvores. Quando o nome é gritado, quem está sendo chamado responde “Aqui!”. Orientados pelos sons, os batedores se dirigem aos que estão dependurados e começam a lhes rasgar as roupas. O happening é um jogo, uma loucura divertida ou irritante, e não um acontecimento propriamente artístico.
As várias inovações da prática teatral narrada nesta descrição estimularam o aparecimento de um corpo de peças levadas a cena não só em teatros da categoria dos da Broadway, como também em menores e menos importantes. Mui­tas dessas peças apareceram pela primeira vez no pequeno Café Chino, no West Vilíage, e depois nas empresas La Mama, sempre em expansão. A lista e a fama relativa dessas peças e desses dramaturgos tornaram-se importantes. Os mais preeminentes são Sam Shepard, Paul Foster. John Guare. Megan Terrv. Israel Horovitz, Leonard Melfi, Lanford Wilson, Terence McNally. Não inclui aqui o nome de LeRoi Jones, apesar de sua peça Síave Shipe ser mais um quadro teatral ou uma pantomima do que um drama escrito, sendo por isso uma produção na linha do teatro novo. LeRoi é um escritor de talento que se inspira na maré da conscientização da raça negra, que está desencadeando o processo de produção de peças as mais significativas.
Mas isto escapa ao tema que estamos desenvolvendo. Nem Edward Albee deve ser mencionado na companhia dos autores citados. Sua obra está marcada pela influência de Ionesco, Beckett e Pinter. Alguns dos autores que acabamos de mencionar revelam o efeito que ele teve sobre eles.
Um dos traços comuns dos filhos de Lama Mama é sua dificuldade ou incapacidade para escrever peças longas. Não há nada de essencialmente inferior nas peças de ato único em comparação com as formas mais extensas de drama. Vale, porém, a pena especular sobre os motivos por que esses jovens dramaturgos parecem sofrer de uma inspiração de curta duração. Suas obras, geral­mente, parecem surgir de uma introvisão momentânea, de conceitos inteligentes, de inclinações, de brincadeiras e de tendências que raramente são suscetíveis de desenvolvimento. São uma espécie de relâmpago em vez de sementes de idéias fecundas. Ilustram estados de espírito, não constroem situações. (Um inválido preso à sua cama está numa situação ou condição que se pode tornar dramática se tentar fugir dela).
A inspiração inicial de tais peças é quase sempre provocante, mas seus atores demonstram pouca capacidade de raciocínio prolongado, seguindo de um exame das conseqüências. Suas peças se assemelham, por isso, a slogans brilhantes e não têm sentido global. No entanto seria errado ignorar esses autores só por serem imaturos. O que os motiva é importante e é o ponto fundamental de todo o fenômeno do teatro novo. um protesto contra a civilização contemporânea, contra o que consideram como podridão do estado sindicalista, contra os efeitos letais da sociedade de consumo.
 Os Novos Bárbaros
Assim, “despreze-se” e zombe deles, zombe deles e despreze-os; o pensa­mento é que dançam os novos dramaturgos. É a canção dos companheiros de Calibam em The Tempest. É bárbara. Os bárbaros são ameaçadores, causam confusão. Mas são, também, conhecidos por terem erradicado a decadência das sociedades doentes. Suas depredações podem abrir caminho para a criação. Às vezes, do caos surge a ordem.
Nossos bárbaros são, contudo, amaldiçoados pelos pecados dos pais. Freqüentemente são repelentes; seus gritos são, em linhas gerais, ecos do vil clamor contra o qual protestam. Eles herdaram muitas das doenças que desejam curar. Suas extravagâncias e brincadeiras teatrais são sintomas das moléstias que denunciam. Seu raciocínio é simplista, e quase adolescente. No entanto nossa própria saúde depende de os compreendermos.
Para o espectador rotineiro, o teatro novo evoca a imagem chocante de corpos nus e som contundente de obscenidades gritadas. Mas numa época em que todos os valores antigos se tornaram vazios e tudo o que era sagrado deixou de ser respeitado, o corpo é a única verdade irreversível. Não há segredos vergonhosos na nudez. Ela é um símbolo da liberdade. A nudez, a obscenidade, até mesmo a pornografia são exultantes gritos de guerra contra a falsidade da sociedade. A mocidade e seus porta-vozes no teatro preferem o absurdo ao bom senso.
Há uma grande dose de desengano e de falta de sentido em tudo isso. Os urros vulgares de liberdade são, em sua maioria, apenas o chocalhar das correntes. Apesar de todo seu entusiasmo pelo movimento do teatro novo, Richard Schechner admite, em seu livro Public Domam: “Quando largamos as amarras e nos é dada a oportunidade de nos expressar, verificamos que temos muito pouco a dizer”. Outro perigo para o que é válido no teatro novo, e particularmente no seu componente norte-americano, é sua absorção pelo comércio e pelos quadrados a que querem a qualquer preço provar a si mesmos que estão dentro da moda e na onda.
O ímpeto que tem impelido o teatro novo não diminuirá mesmo que provo­que um revide. O que provavelmente acontecerá, e que já começou a acontecer, é a assimilação pelo teatro popular de algumas dessas novas técnicas. O que é Hair, senão um fabuloso sucesso do ritual do teatro de rock and roll?
Peter Brook é o homem que mais proveito tirou dessa revolução do pensamento e da prática teatral. Homem culto galvanizado por Grotowski com uma compreensão de Beckett e Genet, e juntamente com uma profunda devoção a Shakespeare, ele foi muito receptivo às mais penetrantes injeções da agulha da vanguarda. Em Marat-Sade, de Peter Weiss, e em Midsummer Night’s Dream (produzida em Stratford-on-Avon) Brook transformou parte do veneno da nova farmacopéia num remédio vitalizante. Deu nova vida ao palco inglês e seu exemplo, sem dúvida, ajudará outros em novas explorações.
 Mudança e Continuidade
Em suma, o teatro novo tem, tanto em sua fase negativa como na positiva, implicações sociais imediatas. Não é, como alguns acreditam, uma fanfarronada ofensiva e frívola, uma autopromoção de rufiões estetas, mas sim um espelho onde se reflete um mundo conturbado que atravessa uma fase perigosa. Esteticamente o teatro novo aumentou e enriqueceu o vocabulário do jargão teatral numa época em que muitos afirmavam que só o cinema tinha o poder de influenciar.
Cada geração tem um modo específico de vivência, pois o mundo está sempre em um processo de mudança; e cada indivíduo de personalidade marcante dá origem a urna variação especial no tema de sua época, muitas vezes em contradição com esta. Por isso a arte, que é o mais universal dos meios de comunicação humana, está sempre mudando. Mas, enquanto o homem continuar a ser homem, suas necessidades essenciais permanecerão inalteradas. Continuará buscando a saúde do espírito e do corpo, e a sentir a sede de compreender .seu relacionamento com os outros homens, além de sua dependência a tudo o mais a que deve o seu ser. O julgamento de assuntos artísticos deve, forçosamente, procurar essas nascentes da alma humana. A biologia e a moral são uma continuidade.
Se fosse desafiado a identificar o cerne do movimento do teatro novo mencionaria que é o reflexo do desvio (ou alienação) da sociedade contemporânea e, sob certos aspectos, sua. resposta desafiadora. No primeiro caso é amargurado e no ‘segundo é rudemente lírico. Em vista de nos termos tornado desconfiados, de tantas palavras agora empregadas para nos trair e confundir, o movimento tem tendências antiliterárias. A ação fala mais do que as palavras, especialmente para os jovens. E o teatro, como já afirmaram deve começar por uma representação fundamental, a ação.
O que quer que pensemos desses argumentos estéticos ou técnicos, devemos contudo valorizar as contribuições individuais em todas as manifestações artísticas com referência ao grau de integridade, força, amplidão e profundidade que encontremos nelas, isto é, no limite em que satisfaçam nossos apetites e anseios humanos. Tudo o mais é convencionalismo, e as racionalizações aplicadas, independentemente de sua altissonância ou assombro, são fraudulentas.

TEATRO PARA CRIANÇAS

CATHERINE DASTÉ

TRAD. MICHELE BLANC

        Os espetáculos para crianças apresentados atualmente por Catherine Dasté, filha de Jean Dasté, são os resultados de dez anos de esforços e de busca. Tendo constatado, por um lado a intolerável banalidade, a miséria estética e intelectual do que existe nesse campo, por outro lado sonhando com um teatro que salva­guardaria os prestígios da imaginação e as virtudes da poesia, sem cair num moralismo edificante, Catherine Dasté começou, em 1959, com seus amigos, os atores Jean Marie Lancelot e Graeme Allwhigth e com a ajuda do educador Michel Small, uma experiência de criação teatral a partir de estórias ou de elementos narrativos inventados por crianças. Os primeiros resultados foram bastante convincentes para levá-la a continuar nesse caminho original onde, após muitas buscas essencialmente empíricas ela descobriu uma fórmula de espetáculos imaginados por crianças, porém, encenados e levados por atores profissionais.
Catherine Dasté nos explica as diferentes etapas dessa apaixonante experiência e ela nos mostra seus aspectos benéficos tanto no plano pedagógico quanto ao plano teatral.
Para mim o interesse desse trabalho se situa em dois planos que me pare­cem ter igual importância; o plano pedagógico e o plano teatral.

O Plano Pedagógico

 A presença de uma pessoa estranha à classe, vinda de fora, introduz um elemento de novidade que é muitas vezes favorável. No início as crianças ficam um pouco intimidadas mas basta que uma ou duas comecem a falar, a contar uma estória, mesmo sendo uma estória muito curta, para que pouco a pouco as outras comecem também a falar. O simples fato de se exprimir, de contar alto, diante de um auditório exigente, uma estória que deve ser ouvida e entendida já é, por si, um excelente exercício.
Algumas crianças que apresentam grandes dificuldades de elocução fazem, com isso, progressos notáveis.
As primeiras estórias contadas são, na maioria das vezes, inspiradas de estórias já conhecidas. Mas quando as crianças compreendem bem o que lhes é pedido e compreendem que elas não devem nem podem enganar, elas começam a contar estórias realmente inventadas por elas. Muitas vezes, de um modo significativo, elas revelam uma preocupação profunda, um problema familiar. Assim certos temas são retomados regularmente por algumas crianças: Alcoolismo do pai ou da mãe e o sofrimento da criança; importância do pai e mãe; misoginia; ciúmes em relação ao irmãozinho, etc.
Penso que o fato de exteriorizar essas obsessões sob a forma de fábulas deve ser benéfico para as crianças. É por isso que eu sempre me esforço por deixá-los falar, mesmo se a estória não apresenta um interesse para mim no plano teatral o que acontece freqüentemente. É preciso ouvir dezenas de estórias antes de ouvir uma que poderá servir de ponto de partida para uma encenação. Mesmo quando encontramos uma criança particularmente dotada e cheia de imaginação, como foi o caso no ano passado em “Menilmontant” é preciso fazer um esforço para não lhe dar um lugar de destaque mas deixar os outros, os tímidos, os ciumentos, os infelizes, falar tanto quanto ele.
Algumas vezes, após três meses de silêncio, de repente uma criança começará a falar e a se exprimir. Muitas vezes isso corresponderá também a um desabrochar da criança no plano escolar e humano.
Uma coisa que é provavelmente muito conhecida dos psicólogos mas que eu descobri experimentalmente é que há vários níveis de invenção.
Há, em primeiro lugar a estória que é quase a reprodução de um desenho animado, de um filme, de um programa de televisão, etc. (Muitas vezes as crianças nem têm consciência disso).
Depois vem a estória inventada, mas cujos elementos são inspirados por coisas vistas ou ouvidas.
Vem em seguida um nível onde a invenção se situa mais profundamente e é nesse nível que a expressão se torna apaixonante. Esta forma de invenção, a mais autêntica e a mais rara, exige certas condições particulares: um ambiente de calma, de concentração, de intimidade mais ela também é ligada a outras condições, eminentemente frágeis, imprevisíveis, instáveis: o tempo, as nuvens, a luz... Acontece então que as crianças entram numa espécie de transe e contam como se outra pessoa, dentro delas, contasse no seu lugar.
Esses momentos são raros, bastante extraordinários e tocantes.
Na maioria das vezes a invenção se desenvolve nesses três níveis. Alguns trechos parecem ser puramente plágios, outros são contos engraçados e ridículos inspirados nos desenhos animados americanos, mas com uma fantasia particular, e de repente surge uma idéia, uma imagem inesperada, surpreendente. Depois de algumas vezes, as crianças entendem o que eu quero dizer quando lhes peço para realmente inventar e elas tomam consciência dessa possibilidade, desse dom; elas aprendem a reconhecer nos outros a autenticidade da invenção. Isso me parece ser uma vantagem pedagógica das mais importantes. Deploramos cada vez mais os efeitos nocivos do excesso de televisão para as crianças e é certo que a influência da televisão j considerável, que ela favorece urna grande passividade e condiciona os espíritos de um modo ainda pouco conhecido. Ora tudo o que pode favorecer a iniciativa, a invenção pessoal e um certo espírito crítico me parece não somente benéfico, mas absoluta­mente indispensável.
Esse trabalho também traz, para o conhecimento psicológico das crianças, elementos que poderão ser úteis para maiores informações sobre as difereiftes formas de imaginação das crianças segundo o sexo, a idade, o meio (meio social., meio geográfico, etc.). Enfim, um dos aspectos essenciais da experiência é, para mim, o contato com os professores. Eu não poderia realizar esse trabalho sem a sua compreensão e colaboração. Há uma troca de pontos de vista e de experiência comuns que me parecem muito proveitosas.

O Plano Teatral

 No plano do teatro estou cada vez mais convencida do valor deste método de criação de espetáculos para crianças. Reconheço o interesse da adaptação de contos antigos de diferentes países os quais possuem muitas vezes um ensinamento rico e precioso e cujo encanto está sempre presente. Existem também excelentes peças para crianças escritas por dramaturgos e poetas contemporâneos. Mas, muitas vezes, os autores adultos têm uma preocupação de moralismo que, a meu ver, estraga muitas peças. Preocupação de moralismo, de ensino de educação que é compatível com o teatro (como eu o entendo). O teatro não é uma tribuna ;se, em alguns casos, esta noção de um teatro edificante pode ser admitido para adultos, ela nunca se justifica para cranças. Por que então o teatro, renunciando ao seu papel, torna-se um auxiliar de tudo aquilo que ajuda a “domesticar” a criança, fazendo dela um cidadão maleável e dócil.
A meu ver, pelo contrário, o papel do teatro deve ser de preservar, de desenvolver a parte mais preciosa, a mais frágil, a mais profunda de cada homem. Desenvolver sua originalidade própria, sua imaginação, aquilo que lhe é particular e o faz diferente dos outros, que o torna cada vez mais ele mesmo. O teatro só poderá realizar esse papel na medida em que criar obras de “poetas”. É por isso que eu acredito no teatro inventado por crianças; porque as crianças são mil vezes mais poetas do que nós.
Parece-me também que na época atual em que os valores morais, estéticos e religiosos da cultura ocidental são constantemente questionados, existe uma maneira de interrogar o homem sem nenhuma idéia pré-concebida, atenta para tentar discernir alguns indícios que podem trazer-nos informações preciosas. Ao invés de impor às crianças nossa moral, nossa concepção de vida, de lhes ensinar como queria num recente congresso de teatro para crianças uma representante dos Estados Unidos — “The Biterness of Things” (o amargor das coisas da vida) devemos ouvi-las: talvez elas é que tenham coisas a nos ensinar, elas que ainda não foram contaminadas. Acredito que os espetáculos realizados segundo os cenários e costumes criados pelas crianças podem trazer um elemento novo, não somente como espetáculo para criança mas também como forma nova de teatro. Com efeito, o teatro procura novos caminhos, hesita entre diversas fórmulas: o teatro documento (Le dossier Oppenheimer, L’Instrution) o novo teatro de revista acrescido de alguns temas do teatro do absurdo e as buscas inspiradas do teatro de Artaud e do teatro oriental (Orotowsky), etc. Ora, um espetáculo concebido por crianças, na medida em que ele não é traído pela adaptação no palco nem pelo desempenho dos atores é, de forma espontânea, “a festa”. Nele encontramos algo que havíamos perdido, algo que existia nas grandes épocas do teatro; na Grécia Antiga, na Idade Média, na época Elisabetana. Algo que havíamos perdido e cuja falta é cruel­mente sentida. As festas de hoje, cada vez mais comercializadas, são tristes. No entanto a festa, que é uma forma de rompimento com o habitual e o cotidiano, que nos faz sentir mais intensamente a plenitude e a violência dá vida nos é necessária. Ainda mais necessária num mundo no qual, todos os dias, a vida se organiza de um modo cada vez mais frio e monótono, um mundo cada vez mais marcado pelo tédio.

PARA BEM EXECUTAR JOGOS DRAMÁTICOS
"O valor cultural do jogo dramático reside sobretudo num esforço de criação"
CHARLES ANTONETTI
TODO O TRABALHO DE CRIAÇÃO É SEU
O que apresentamos são esquemas apenas. Trampolins para que a imaginação possa saltar para uma verdadeira criação poética. As modificações e mesmo o que for acrescentado será a marca da equipe que as utilizar.
Assim é que deixamos, propositalmente de lado anotações sobre vestuários e acessórios. Se nos contentarmos em reproduzir uma ação igualzinha a descrita a seguir, não haverá enriquecimento. É preciso que cheguemos a uma conclusão: cultivar-se é também dar um pouco de si mesmo.
UMA PROGRESSÃO METÓDICA É NECESSÁRIA
 Os jogos estão classificados numa progressão precisa. No Arqueiro, por exemplo trata-se mais de manipulação do arco, das flechas, da espada, do que da manifestação de sentimentos. Já nos demais, o sentimento assume maior importância, e devem ser criados não numa mímica decalcada da realidade, mas por uma recriação por parte do ator das sensações que objetos reais poderiam provocar.
CRISE DE NERVOS OU CONTROLE
 O jogo dramático é antes de tudo uma escola de sinceridade. Trata-se, evidentemente não de demonstrar, mas sim, de experimentar no fundo de si mesmo o sentimento pedido, sem se incomodar com estilo algum preconcebido. Somente um ser particularmente sensível é capaz de uma tal sinceridade. Geralmente é ainda uma presa do sentimento. Seu trabalho parecerá mais uma crise de nervos, com todo esse involuntário despudor, com todo esse cortejo de choques físicos, cujas ressonâncias são tão difíceis de avaliar. Portanto, não basta despertar o sentimento. É preciso dirigi-lo e dominá-lo. Sinceridade e controle do sentimento são dois aspectos essencialmente educativos do jogo dramático. E a eles chegaremos através de certas disciplinas impostas que tentarei descrever e que são também métodos de educação.
EDUCAÇÃO DOS SENTIDOS
 Imaginemos uma rodela de limão colocada sobre a língua. Obteremos uma reação gustativa. Fácil é demonstrar que todos os outros sentidos podem também funcionar pela imaginação. O aluno que pela imaginação faz sinceramente a força necessária capaz de remover uma pedra pesada, penetra numa zona poética que até então lhe era interdita. Descobre um mundo novo. E será uma exploração que não terá mais fim, pois o vento, o oceano e o céu irão nos pertencer. O Universo será nosso.
EDUCAÇÃO DO AFETO
 O treino desses jogos sensoriais enriquece principalmente o gesto de uma tal maneira que o objeto imaginário, cujo peso e a forma o ator sente, adquire maior realidade que um objeto verdadeiro. O gesto torna-se criador por que o espectador vê o objeto (evidentemente isto não exclui que o objeto real pode ter o seu valor) De mais a mais todo choque sensorial, mesmo imaginário, ecoa no domínio efetivo e constitui um exercício inconsciente da educação do afeto. Assim é que num determinado instante aparece, no aluno, o domínio do sentimento. Pode-se então viver uma situação e nasce daí, o drama.
POESIA EM PRIMEIRO LUGAR
 Os temas, na maioria das vezes, partem de uma base concreta para atingir o clima poético, local onde a razão matemática não penetra nunca. Espero que sirvam para descobrir a existência de uma verdade e de um alimento poético tão necessários ao homem quanto a verdade racional e o alimento material.
TRÊS ASPECTOS DE UM ÚNICO PROBLEMA
 Pode-se perceber através dessas pequenas notas um esboço de um método perfeito para a educação do corpo, dos sentidos e da alma. Eis a finalidade imediata do jogo dramático. Mas, além dessa finalidade, aparecem outras possibilidades. Os jogos estudados em laboratório, tornam-se elementos de espetáculos que podem muito bem tomar o lugar de esquetes ou outras tolices que comumente se usam em reuniões escolares. E, indo mais longe ainda, pode-se adivinhar o nascimento de uma arte dramática propriamente popular, arte viva e espontânea, pra­ticada por pessoas de todas as condições, para pessoas de todas as condições. E poderemos nós prever no momento as ressonâncias de tal arte, no destino do próprio teatro?
CONTRA OS MÉTODOS CADUCOS
 A técnica expressa aqui de maneira tão sumária, opõe-se radicalmente àquelas em­pregadas habitualmente pelos educadores que utilizam o jogo dramático, orientados ora para a simulação, ora para a “crise de nervos”.
O ARQUEIRO
Vigília do soldado (passeia de um lado para o outro).
Olha, pela primeira vez, ao longe. Não vê nada Contínua.
Olha pela segunda vez. Idem.
Olha pela terceira vez. Percebe, ainda bem longe, o soIdado inimigo.
Depois um segundo soldado.
Depois um terceiro.
Recua lentamente sem perder os soldados de vista. Procura o arco, atrás dele, sem se voltar.
Pega o arco. Passa-o de sua mão para outra com lentidão, Tira uma flecha. Arma o arco. Visa cuidadosamente e atira.
Constata com satisfação o resultado.
Atira uma segunda vez.
Atira acelerado.
O tiro acelerado dura 30 a 40 segundos
Aproxima-se da muralha e continua e atirar com vontade.
O inimigo se aproxima.
O arqueiro visa cada vez mais em direção a terra.
Visa verticalmente, inclinado sobre a muralha.
Recebe uma flechada no ombro esquerdo. Pára.
Lentamente vai se dando conta do ferimento.
Arranca a flecha lentamente.
Depois toma coragem e continua atirando.
O inimigo fez uma escada.
O arqueiro recua, tira a espada e põe-se a esperar.
Abate um primeiro soldado.
Depois um segundo soldado.
Um terceiro consegue supera-lo. Combate com o inimigo situado em posição mais alta que ele.
Mata esse inimigo.
Toma de uma grande pedra e atirá-a sobre quem está subindo.
Consegue pegar na parte alta da escada, atirando-a ao chão.
Triunfo.
Põe-se de novo a atirar sobre o inimigo em debandada.
Recebe uma flechada no peito, em plena ação no momento em que vai armar o arco.
Mesma coisa quando da primeira vez que foi ferido. Mas agora. morre.
O TESOURO DA FLORESTA
(Inspirado numa novela de H. G. Wells)
 Marinheiros a bordo. Alto mar.
Postos de comando. Desembarque em Singapura. Contato com os nativos.
A estrada que vai dar na cidade.
Acordeon aumentando pouco a pouco.
Botequim (acordeon fazendo o fundo sonoro).
A marinheirada se acotovela no bar.
Dois aventureiros numa mesa falam do tesouro. Comentam o plano que tem.O tesouro está bem escondido (risos).
Dois marinheiros ouvem e se entreolham.
Partida dos dois aventureiros, seguidos pelos dois marinheiros.
Roubo e assassínio dos aventureiros. Escondem os cadáveres.
Barco, pás, enxadas.
Viagem.
Desembarque. A floresta. A busca.
Cansaço, cipós, troncos de árvores, etc... Encontram o local do tesouro.
Clareira: Ah! um buraco.
No buraco uma ossada. Tiram-na. Ferem-se com os espinhos.
Vêem o cofre.
Trabalho para arrancá-lo. Ferem-se novamente.
Este lugar é cheio de espinhos.
Vão se enfraquecendo lentamente.
Conseguem tirar o cofre.
Abrem o cofre. Estão cada vez mais fracos.
Morrem em cima do cofre, com as mãos cheias de ouro.
POR DE TRÁS DO MURO
O solitário lê em voz alta, passeando da esquerda para a direita. Gesticula. A doçura vitoriosa da cólera é um desejo insaciável de desonras e humilhações assim como a vaidade é um desejo inesgotável de honra e louvores. A cólera é uma paixão vingativa que nos faz desejar aflições e penas àqueles que nos aborreceram. A pronta e violenta emoção da biles é uma inflamação do coração, que se excita e se acaba num momento. O furor é um transporte passageiro que perturba todos os poderes da alma, tornando-a monstruosa e disforme. Acorrentemos pois a cólera com as cadeias da doçura, como se estivéssemos acorrentando um monstro furioso.
Durante o discurso, o engraçadinho entra. Observa o solitário por de trás do muro imaginário, caçoa, atira pedras, hesitando muito antes de jogá-la.
Atira uma pedra. Reação do solitário.
O solitário procura saber de onde veio a pedra. O outro se escondeu.
Segunda pedra.
Nova reação do solitário que vai pouco a pouco aumentando o estado raivoso.
A história recomeça várias vezes até que o solitário
Fique realmente com raiva
O solitário por sua vez vai até o muro, briga com o engraçadinho que caçoa dele, afirmando nada ter feito.
O engraçadinho, sai rindo.
O solitário, espumando de raiva, vai se acalmando pouco a pouco.
Entra o segundo solitário, que admoesta o primeiro.
O primeiro se acalma: sai o segundo.
O engraçadinho volta.
Diálogo entre o engraçadinho e o solitário, que pede desculpas por ter se exaltado,
O engraçadinho, afirma mais uma vez sua inocência, e sai.
O solitário volta a ler em silêncio.
O engraçadinho volta, começa a atirar pedras enquanto que o solitário põe-se a ler em voz alta, cada vez mais forte, estóico, sob uma chuva de pedras.

A EVOLUÇÃO DO CENÁRIO

Da Cenografia Teatral

        As tendências atuais da cenografia teatral, traduzem, entre os cenógrafos franceses dos anos 60, uma tomada de consciência do novo papel que pensam desempenhar na economia geral do espetáculo. Ao mesmo tempo em que certos encenadores da nova geração, entre os quais citamos Serreau, Planchon e Steiger, contestavam a função tradicional do teatro, certos cenógrafos, rompendo com a concepção antiquada da cenografia, definiam, por sua vez, em termos aparente­mente novos, o fim de uma era de sua profissão. Nessa ocasião, um dos mais representativos e lúcidos cenógrafos escrevia que, o papel do cenário não consiste apenas em representar lugares determinados em ações determinadas, e estabelecer entre lugares e ações, as correspondências que os esclareçam reciprocamente. Para ele o cenário deve também fornecer ao espetáculo e ao texto, um quadro geral que a situa no seu conjunto e por vezes a comenta.
Em cinqüenta anos, depois de Rouché, Copeau e Cartel, manifestou-se uma certa evolução. A maior parte dessa herança pesou na sensibilidade e no ofício dos cenógrafos, mesmo quando pretendiam de boa fé, reagir contra ela. Os princípios da base dessa herança foram definidos por Rouché em “A Arte Teatral Moderna”, editado por volta de 1910. Por outro lado, a maneira como Copeau e Jouvet modelaram o palco do Vieux Colombier, ainda que pareça hoje um tanto quanto rígida e abstrata, está na origem dessa voga do dispositivo mais ou menos funcional, que, qualquer que seja o material, foi favorecida pelo renasci­mento do teatro ao ar livre. A influência do expressionismo alemão e do construtivismo russo agiu com certo atraso e, através de Piscator e Bertold Brecht, orienta uma parte da cenografia de hoje. Quando se fala nessa fase, comenta-se sempre que ela vem de 1925, época em que o expressionismo alemão, conheceu uma fase obscura na França, por causa do Cartel.
A proliferação de novos materiais, oferece também ao cenógrafo as possibilidades negadas pela madeira e pela tela, ou as limitações que tais materiais colocavam. O aperfeiçoamento dos sistemas de iluminação, um melhor conhecimento das possibilidades da luz elétrica nos espetáculos, levam os cenógrafos a recorrer a certas simplificações e a evitar certos erros plásticos. É aqui que a influência difusa de Appia começa a colher os seus frutos. Por último, as experiências de André Villiers no Teatro de Arena provaram que uma certa arquitetura tornava supérflua toda a cenografia.
Na análise que fazemos adiante, sobre algumas soluções cenográficas características, esclarecerá esta argumentação.
Quando Roger Planchon chamou René Alho para executar a cenografia de sua adaptação das “Almas Mortas”, de Arthur Adamov, tinha antes de tudo, de traduzir a impressão de espaço que dá a sua dimensão ao poema épico de Gogol. Agora o problema estava em como dar esse espaço. O teatro, como qualquer pintura, contentava-se geralmente em sugerir que se podia percorrer tal espaço. Utilizava para esse efeito, a perspectiva e os telões pintados. É porém mais difícil tornar sensível esse percurso, podendo recorrer-se, quer a uma sucessão de imagens fixas, cada qual modificando a situação do espectador, quer à representação do próprio percurso, operando-se a mudança de lugar, à vista do espectador e tomando o tempo continuo. O cinema pode perfeita­mente utilizar esses dois recursos, mas no teatro, a representação continua de um deslocamento, habituados como estamos aos movimentos do cinema, torna a cena pesada, desajeitada e fora de moda. Além disso, essa ilusão naturalista não parece ser o objetivo do teatro. Pelo contrário, tal representação sucessiva de lugares diferentes pode dar o sentimento do espaço percorrido, com a condição de conservar no fundo, uma imagem indicando essa continuidade, enquanto mudam as imagens do primeiro plano.
O partido escolhido por Allio, estava assim, realizado. Um ciclorama dá a noção permanente do infinito. Por cima do cenário central, um quadro situa esse cenário no conjunto, como os cartões de certos mapas conhecidos por Atlas. De um lado e de outro do palco evocam-se em volume os lugares da ação. Enfim, o próprio cenário, lugar da cena representada, tratado segundo um realismo seletivo, fornece um quadro da ação imediata. Acrescentando-se a isso projeções de desenhos animados, segundo um processo análogo às análises cinematográficas de um Alain Resnais explorando Van Gogh Vê-se que a plástica do cenário não passa senão de um elemento do conjunto. Isto é formalmente arquiteturado e a variedade de soluções escolhidas, se arrisca a parecer complexa à primeira vista, porém exprime uma vontade de síntese entre um realismo literal a Brecht e um simbolismo sutil. Trata-se evidentemente, menos de um cenário do que uma interpretação da própria obra. René Alho fez um trabalho idêntico em “A Segunda Surpresa do Amor”, de Marivaux, não sem provocar verdadeiro escândalo. Tratava-se menos de vestir um espaço cênico convencional, do que criar o lugar do poema de Gogol e, num sentido, o próprio poema. Por estes caminhos também andaram Erwin Piscator e Bertold Brecht.
Uma outra solução típica encontrada entre espetáculos da década de 60, está o “Biedermann e os Incendiários”, de Max Frisch, dirigido por Jean-Marie Serreau, e com cenografia de André Acquart. Este trabalho foi encenado em outubro de 1960, no Teatro Lutéce, em Paris. Retomando o essencial do dis­positivo que concebera anteriormente para “Barrage contra le Pacifique”, adap­tado de Marguerite Duras, por Genevieve Serreau e, “Les Nêgres”, de Jean Genet, a primeira encenada por 3. M. Serreau e a segunda, por Roger Bhin, André Acquart edifica uma ossatura tubular como um verdadeiro esqueleto, que oferece vários níveis de representação e cria um espaço aéreo infinitamente mais plástico do que uma construção em volumes cheios. De espírito expressionista, mas sem caráter sistemático, esse dispositivo era completado por projeções de desenhos humorísticos de Siné e de fotografias de um realismo caricatural de Knapp­ Elija.
Se René Allio, que tem o gosto do real, como pintor e como artífice, pende para uma concepção mais concreta, mais palpável, já André Acquart orienta-se por um sistema abstrato, suporte da fantasia e da poesia, e quando necessário, se uma realidade paródica. Uma preocupação inspira sua busca: criar uma estrutura de acordo com o sentido da obra representada, e um espaço onde o ator esteja ao mesmo tempo livre nos seus movimentos e, comandado pela organização desse lugar original, que o cenógrafo tem por missão inventar. Nesse sentido, cria um verdadeiro microcosmos onde a obra gravitará irresistivelmente.
Os ensaios sugestivos e, sob certos aspectos, experimentais, de Jacques Polieri levam ao limite esta revolução cenográfica. As manifestações do Festi­vaI de Vanguarda, realizado em outubro de 1960, comportavam uma exposição de cenografias para um espetáculo imaginário, onde pintores e escultores, libertos da sugestão de uma obra determinada, tinham sido convidados a pensar no espetáculo em si. Para o jovem teórico Denis Bablet, em artigo escrito concluía com seguinte frase: “Quando se pensa em termos de teatro, o que fazem ‘na França um Léon Gischia e um René Alho, deixa de ser um cenário para se tornar um espaço organizado posto à disposição do encenador, do comediante e do público.”
Na verdade estas duas tendências continuam a manifestar-se, entre elas se verificam freqüentes interferências. Um Allio ou um Acquart não trabalham no espaço puro. Na presença de uma obra de Shakespeare ou de Adamov de Marivaux ou de Genet, é antes de tudo ao conteúdo e ao significado da obra, que eles se agarram. René Alho, sobretudo, particularmente sensível à historicidade da obra a ser encenada. Porém outros cenógrafos têm as mesmas preocupações com um rigor menos concentrado. Jean-Denis Maíclés sempre desconfiou das ambições puramente decorativas. Jacques Noel, engenhoso maquinista que colocou Sabbatini na escola de Gúignol, encontra na prática do camafeu e dás mutações à vista voluntariamente ingênuas, uma maneira muito teatral de concretizar a fantasia do mimo Marcel Marceau, ou o absurdo de Eugéne Ionesco. Pode-se, sem dúvida, considerar estes dois cenógrafos como os melhores herdeiros de urna tradição ilustrada por André Barsacq.
A solidez e a suntuosidade meticulosa da cenografia de Georges Wakhevitch, qúe não hesita em usar simultaneamente a tela pintada, a perspectiva, os praticáveis e os volumes num espírito de realismo total, não participam de nenhuma estética sistemática. Ainda neste caso particular, é grande o risco de esmagar a obra sob uma decoração parasitária que não sabe sacrificar o supérfluo.
A relatividade à obra e ao teatro em que será representado, é o grande princípio. Esta lei é seguida, apesar da diversidade dos temperamentos, por uma Francine Galhiard-Risler, amável e rigorosa, e por um François Ganeau, que soube fazer a experiência dos meios pobres. Féhix Labisse, que veio do surrealismo, ou Lila de Nobihi, respeitam-no com liberdade.
A obrigação em que se encontram ainda os cenógrafos franceses com relação a trabalhos para cenas de palco italiano, quase sempre vetustos e mal equipados, condena-os ao empirismo e às semi-soluções. Os mais exigentes começam por reformar o próprio palco, com grande desespero dos empresários, suprimem o pano de boca, o proscênio, modificam o sistema de iluminação. Um grande exemplo’ em São Paulo na atualidade, é a cenografia de José de Anchieta para o espetáculo de Frank Wedekind, “Lulu”, dirigido por Ademar Guerra,’ em carreira normal no teatro Anchieta. Porém estas operações prévias, fastidiosas e dispendiosas, nem sempre corrigem todos os defeitos inerentes a este gênero de palco, mas permitem trabalhar num lugar com menores limitações, em uma aparente liberdade.
O desenvolvimento dos espetáculos ao ar livre, cujo quadro também é desprovido de servidões, tem no entanto, oferecido aos cenógrafos ávidos de partir da tábua rasa, ocasião de numerosas experiências, não raro limitadas pela modicidade dos meios financeiros. René Alho por exemplo, fez seus primeiros ensaios no Festival de Arras, juntamente com André Reybaz. Foi em Avignon, que Camille Demangeot, herdeiro de Louis Jouvet, aperfeiçoou essa arte de modelar o relevo do tablado que, transportado por Chaillot, é um dos componentes do estilo do Teatro Nacional Português. Convém aqui sublinhar a parte eminente tomada por Léon Gischia, figurinista de gênio, na formação desse estilo.
Um Yves-Bonnat, agarrado ao cenário em volume, e como ele dizia, funcional, trabalhou neste caminho da forma como tinha feito antes, André Boli, per­curso notório desta estética na encenação lírica.
Mas nem por isso desapareceu o gosto pelo cenário “decorativo”. Assiste-se até uma contra ofensiva do cenário puro, aquele de que Jacques Noel dizia com espírito, ser o ópio do povo.

CENOGRAFIA E DIREÇÃO:

Uma unidade indivisível

 Paralelamente à renovação dos métodos de interpretação, da revalorização do ator e da ênfase dada ao relacionamento ator-espectador, realizada desde alguns anos na Polônia, por Grotowski e seus colaboradores, o palco foi, conseqüentemente, atingido por essa transformação. Suas forma ou formas convencionais foram abandonadas, para deixar lugar ao espaço sagrado da ação, ao local desse novo rito de transgressão moral que passou a ser a ação teatral, variando sua forma e posição conforme a exigência do espetáculo ou do texto escolhido, podendo ser um círculo, um ovo, um quadrado, um corredor entre os espectadores, assumindo a forma de uma jaula através de cujas grades o espectador espia a função, às vezes até interpenetrando-se esses espaços verticais ou horizontais. Também os objetos ou acessórios usados em cena deixam de ser aquele papel convencional conhecido até hoje para se tornarem elementos desse espaço-expressão, de que Józef Szajna. Cada época marca com seu sinal a atividade humana a que serve de moldura. O movimento, que é não só o símbolo mas a própria essência do presente, afasta cada vez mais rapidamente os modelos ultrapassados, invalidando as doutrinas estáticas e os cânones rígidos. Na hora da “explosão tecnológica” e das radicais mudanças sociais que a acompanham, seria difícil buscar um modelo para o teatro contemporâneo, adaptando os estilos de outras épocas, cultivando as tradições do passado ao retornar às antigas correntes estéticas.
As transformações que o afetam em toda sua estrutura, oferecem ao teatro a oportunidade de ultrapassar os esquemas até agora em vigor, deduzindo de e um ponto de vista fragmentário aquilo que faz a essência da arte teatral. O teatro pode acelerar seu processo de evolução, demasiado lenta, a reboque da de outras disciplinas artísticas, como as artes plásticas e a música. O teatro, que mudará continuamente, que terá uma função cognitiva, que irá inspirar a imaginação do espectador, exercerá também uma influência eficaz sobre a visão que esse espectador terá do mundo.
O TEATRO ABERTO, ligado ao pensamento contemporâneo e evitando o esteticismo estéril, o teatro da inovação, o teatro total, em que as qualidades de seu criador, isto é, do realizador penetra a obra dramática, tal teatro é capaz de uma completa visualização através de um complexo método de integração de elementos. Cenografia e mise-en-scéne formam uma unidade indivisível, um todo cujos elementos se completam mutuamente. A construção do espetáculo consiste em acontecimentos dramáticos imaginados, situações fictícias e inventadas. O jogo na vida real, seria apenas verossímil.

Objetos participam da Ação

 Tudo isso acontece num tempo indeterminado, cujo curso não tem a menor importância. Trata-se de uma montagem da ação em que um número de fatos, aparentemente desligados, se unem numa anedota de “sensação”. O mecanismo está na representação e no movimento de acontecimentos que revelam a inter­dependência de personagens e coisas, de objetos e idéias. O jogo das contradições e dissonâncias é o arsenal e, ao mesmo tempo, a “harmonia” peculiar dessas produções. O cenário desaparece, e o que vemos é a representação de imagens compostas e dirigidas com o uso de objetos que participam da ação e chegam a interferir nela. Perde assim, seu caráter de mera cenografia, de um fragmento arquitetural, para se tornar a própria matéria do processo teatral. Torna-se independente das rubricas do autor, ganha um valor autônomo e se transforma no “espaço de expressão”. Não descreve lugar e tempo de ação, mas serve-se de um objeto concreto, às vezes preparado, que longe de ser confeccionado para uso do espetáculo, participa dele de maneira ativa. A ação de tais espetáculos se passa em espaços vazios ou desertos, abertos, às vezes num ar-livre fechado, que se estende fora do quadro de uma cena-palco podendo prolongar-se além do espectador.
A forma arquitetural desse teatro seria a forma de um ovo. O interior da casca, contra a sua parede, seria o lugar da ação; contornaria o público, colocado no meio de um pouco abaixo, mas sem qualquer rampa separando um do Outro. Eliminando a separação física entre palco e platéia, tal construção cria­ria uma ligação entre a demonstração da representação e os espectadores. A evolução dos atores em redor de todo o espaço destinado à ação permitiria a mudança instantânea do quadro da ação. Projetores ocultos nas aberturas, especialmente para esse efeito iluminariam não só a cena como a platéia.

Espaço de Expressão

 O teatro que me interessa se define através de uma nova e diferente observação de vários fenômenos. A emergência dos valores da imagem com a ação teatral conduz a um conhecimento mais amplo do objeto (entidade plástica concreta) como um fetiche de nosso tempo. Isso leva, inevitavelmente, a tornar mais dinâmicos os meios de expressão empregados pelo artista e desperta uma maior tensão emocional na platéia. Dessa maneira, evitando as convenções expressionistas e naturalistas, podemos quebrar a barreira das práticas teatrais até agora usadas e nos libertar da banalidade.
Este é o teatro da forma total.
Sua suscetibilidade de transformação possibilita o uso de qualquer espaço (por exemplo, um aeroporto em desuso, uma garagem, fábrica ou qualquer construção facilmente adaptável).
Qualquer objeto, fora de seus limites naturais, pode se tornar um cenário-símbolo ou uma parte do espaço adaptado. O uso pelo ator de objetos que são comparsas e que são diferentes inteiramente dum acessório de teatro, está subordinado à unidade intelectual e formal do espetáculo-manifestação. A verdade objetiva do objeto é a sua aplicação e realização na ação, não seu nome. Esse espaço assim mobiliado ganha em densidade, ora se toma habitado ou deserto sob o efeito da ação manifesta dos atores, envolve o espectador com sua atmosfera e coloca-o numa situação similar ou análoga a dos atores. Uma interpretação livre do psicologismo aproximativo obriga o ator a romper o monolitismo do papel e, ao mesmo tempo, permite a mudança de personalidade no mesmo espetáculo. Cenas barulhentas se chocam com cenas silenciosas, o riso com a tragédia, a indiferença com a paixão. Esses acontecimentos se dão em áreas desconhecidas e vagamente suspeitas. Apresentam-se propostas em outras bases que não aquelas criadas na base do conhecimento. Elas se reencontram em dois planos interpenetrantes e ligados: da realidade e da visão.

Cenário-Simbolo

 No TEATRO ABERTO, essa aproximação estruturalista dos fenômenos tenta resolver o problema da impossibilidade de sair do cansativo movimento circular. Por que é através de objetos desligados de sua função habitual que ela tende a nos dar a consciência do mito de nossa época.
A simultaneidade da ação confere o papel de exposição de um espetáculo aos quadros em que os atores se integram nos elementos constitutivos da com­posição de conjunto. Esses quadros se relacionam com os antecedentes da ação do espetáculo, de que constituem o ponto de partida ou a vinheta. Não explicam o desenvolvimento da ação e desaparecem à medida que ela se desenvolve. Surgidos da ação de uma maneira inesperada, podem ser seu prolongamento ou um instante fixado no movimento. Aparecem mais freqüentemente no ponto de junção de dois acontecimentos de modo diverso.
As roupas dos atores não são as de todo dia, nem roupas de festa. Mate­riais diversos, como juta, papel, plásticos, encerado e outros são usados. A variedade de elementos acessórios inclui latas de conserva, máscaras contra gás, etc. O objetivo é representar os personagens (e não os papéis) criados pelo ator, definindo-os não do ponto de vista do estilo da época, mas em função de sua significação e como expressão de idéias superiores.
Exemplos:
A cenografia da peça de Steinbeck of Mice and Men mostra pessoas seguindo o seu caminho num espaço que conduz ao desconhecido, contra um fundo de horizonte longínquo banhado de luz, num caminho traçado pelas linhas do praticável. Acima de tudo, sobre suas cabeças, formas despedaçadas, perigosas e dinâmicas, nem nuvens nem aeroplanos.
Na Antígona, de Sófocles, pendem cortinas-dramas e um horizonte sem saída se abre no fim sobre uma zona de brancura ofuscante. Os elementos da ação usados são tubos nodosos com sua ferragem estragada. Caem pedaços inúteis de chapas finas, as estruturas cedem lugar ao objeto. Estopa, pintura grossa, pano rasgado, plásticos e outros elementos são promovidos a meios de expressão artística.
Um acessório pode se tornar cenário ou parte dele. Pode ser empregado num mesmo espetáculo com finalidades múltiplas. Em lugar de um quarto separado, numa peça de S. Witkiewicz (O Louco e a Religiosa), o espetáculo oferece um muro em semicírculo com objetos mágicos nos nichos: uma grande cabeça móvel segue com um olhar indiscreto o que se passa no interior, um velho relógio quebrado, um grande símbolo plástico balançando de uma forma biológica indefinida. O balanço da lâmpada e o ruído amplificado do relógio corresponde ao crescendo emocional do monólogo do louco.
A luz constrói o espaço cênico passando através dos objetos. Cria um clima luminoso diferente dos fenômenos de dia e noite. Transforma, a cena aos olhos do espectador, modificando as dimensões e a imagem plástica. Formas confeccionadas de sacos de juta rasgados, materiais plásticos e pedaços de metal colocados atrás do véu do horizonte se revelam ou desaparecem sob efeito de jogo de luz apropriado. Essa luz modifica as circunstâncias da ação, situa-a no tempo, que ela pode deslocando-se, nivelar a dimensão sem comprometer por isso a unidade do interesse dramático.
A espontaneidade avizinha-se aqui de uma sóbria disciplina, e uma súbita pausa na ação ou um gesto prolongado dão relevo à palavra.
A agonia de um gesto ou de um som subtrai o ator ao seu ambiente, permitindo-lhe atingir um isolamento interior completo.
Pelos contrastes de ação e mudança de ritmo, o ator descarrega a tensão, libera o elemento cômico levando a platéia diretamente a uma atmosfera de grotesco ou gracejo. A ação cênica se relaciona com os reflexos e os atos humanos fundamentais. O natural e o artifício, a luta com a passividade, a angústia estimula a vida, a morte inspira calma. Na estrutura desse teatro, a’ palavra vive da multiplicidade de funções que ela assume. Desligada dos atos por uma forma declamatória, seu sentido se esvazia. Esse importante meio de comunicação só vale pelo personagem a serviço de quem se coloca. Assim, um teatro que se diz criador não deve se limitar a uma interpretação meramente literária de uma peça. Um ato criador coletivo oferece as maiores oportunidades à expressão das verdades complexas sobre a vida de nossa época. Em relação à peça, o espetáculo deve se tomar uma qualidade nova, autônoma considerada de muitos pontos de vista ao mesmo tempo.

O CENÁRIO

 É interessante fazer-se uma comparação das realizações de Max Reinhardt com as realizações de Vanguarda. Ambas dão grande importância ao cenário. No fim da primeira guerra, Reinhardt foi obrigado também, diante da carência das matérias-primas e dificuldades financeiras, a renunciar a todo esplendor cênico. Viu-se então obrigado a lançar mão de luz e sombra para animar um cenário fixo e criar uma atmosfera. Causas semelhantes conduzem a resultados bem diversos, nas peças de Ionesco e Tardieu, por exemplo. Em “Vítimas do dever”, de Ionesco, um refletor faz surgir da sombra um retrato escondido até então, mas cujos traços são descritos por um dos atores. Não há nada simbólico nisso e o artifício luminoso serve apenas para aliviar um momento de linguagem. Da mesma forma, em “A Fechadura”, de Tardieu, a luz começa a diminuir progressivamente, enquanto que somente o enorme buraco da fechadura permanece iluminado. Trata-se ainda de acumular num único momento, para bem marcá-lo, elemento de choque. Entra finalmente a música, pois ao mesmo tempo em que a sombra vai ganhando terreno, ouve-se urna nota estridente que, a princípio fraca, acabará por tornar-se ensurdecedora. Não se trata mais daquilo que poderia parecer fundamental ao teatro. Iluminar um cenário, no sentido de fazê-lo viver. O cenário, pelo contrário, é sem alma, fora de qualquer tempo e de qualquer local. Assim, a fuga ao tempo, ao tédio, em “Esperando Godot”, finca-se somente nos personagens: Pozzo e Vladimir, mais uma estrada com uma árvore, a única coisa viva, nunca um local familiar. E essa soberana abstração, esse espaço vazio de Beckett encontra seu equivalente nos muros fechados de Ionesco. Interior burguês inglês, gabinete de trabalho, interior pequeno burguês. Tudo isso fez ressaltar o mesmo problema, a mesma incomunicabilidade. Cada um dos elementos atinge a altura de personagem. Não se trata de um quarto, mas sim, “o quarto, “o” escritório, “a” praça pública, que são descritos, ou melhor, impostas. Nada mais significativo do que algumas indicações de Adamov para “A Paródia”, dar impressão do preto e branco, a encenação deve suscitar a desorientação. O cenário não varia em sua composição essencial, mas unicamente na disposição de seus diferentes elementos. Apresenta as mesmas coisas sob ângulos diferentes. Desorientação, recusa do familiar, o cenário deve apenas falar pelos seus silêncios. Os meios fáceis devem ser recusados porque o cenário assume uma função particular em relação a palavra.
Essa função deve ser inversa a dos cenários das peças burguesas. Neste a beleza dos salões pintados à autônoma, julgada pelos aspectos exteriores, capa­zes de agradar aos olhos. Sobriedade ou falso brilho torna-se apenas questão de gosto. Na maioria das vezes o cenógrafo ultrapassa o cenário e naturalmente o autor. “A imagem é preferida à coisa”. É contra esta forma que se revolta Jean Vauthier e a precisão de suas metas sobre a encenação de “Personagem combatente” indicam uma tomada de posição.
O cenário apenas tomará a palavra após tê-la recebido do ator e da platéia. Sabemos que todo cenário é dotado de uma linguagem e que será difícil não usá-las como de hábito. Mas no texto de “O Personagem Combatente” faze­mos o possível para amordaçá-lo incontinenti. Dele quase nada escapa, a não ser um canto bastante forte, à boca fechada, influência simplificada simplista. Não ignoramos que, apesar de tudo existe a ação do cenário. Mas ela se torna antes de tudo, uma ação inevitável, primeira, primária, predecessora. Está presente, mas como em repouso. “Que se expulsa o inautêntico e a volúpia do gracioso. Abaixo os ídolos”.

OS ACESSÓRIOS

 Se a peça se faz acompanhar de uma evidente secura cenográfica, essa autenticidade procurada, no entanto, somente se satisfaz com uma verdadeira proliferação de objetos. Pode-se mesmo dizer que o Teatro de Vanguarda é um teatro de acessórios. Evidentemente têm eles um papel definido e a contradição entre a presença de um e a ausência de outro é apenas aparente. Com efeito, se os cenários devem se impor por si mesmos, sem, contudo se excederem, os objetos por sua vez são dotados de uma vida, que pouco a pouco se ergue contra os homens, ou então, em alguns casos, tornam-se seus cúmplices. Em “O personagem combatente” procuramos ao vivo essa ligação que vai de submissão ao domínio. Cenários e objetos tornam-se uma coisa única, simples elementos realistas oriundos “da mudança direta de uma loja de quinquilharias para o tablado”.O cenário latente assume vida com a chegada do personagem nesse quarto “muito pobre, mas assustadoramente ornamentado”. Somente então os objetos assumem um sentido preciso, fiéis a lembrança do escritor. Guirlandas, lanternas e belas de vidro, estranhas ao seu passado levantam-se tal qual inimigos mudos, escondendo as velhas paredes. Inversamente é na velha poltrona sem detalhe algum, portanto intimamente ligada a ele, que o personagem espera reencontrar a natureza perdida. Beckett expressava o mesmo quando fazia de Lucky um ser que precisava do chapéu para pensar. Para aniquilar o escravo, o senhor lança por terra o chapéu, pisando-o, e dizendo ao escravo que, daquela forma, não podia mais pensar. De escritor de “O personagem combatente”, ao escravo de “Esperando Godot”, a presença ou ausência de objeto ressuscita ou aniquila.
Mas o objeto-demiurgo não se contenta em existir simplesmente pela presença. Age também. No “Teatro de Câmara” de Tardieu onde muitas vezes a cena “não representa nada”, o objeto complica a ação por um comporta­mento que não lhe é estranho. Chegam mesmo a tornarem-se centro de atenções, como provam os títulos dessa coletânea: “O móvel”, “O guichê”, “A fecha­dura”, etc. Em “O móvel”, esse impede a palavra de comprador: “...é que frio é um móvel vazio, senhor, um móvel sem alma... é infalível, nós pobres humanos é que somos passíveis de erros...” Os objetos erguem-se contra os homens e o fim lógico desse duelo não pode deixar de ser a morte do compra­dor, morto pelo móvel. O desregramento do objeto ilustre à vacuidade das ações humanas. Nesse texto, é o móvel o assassino. Em “A cantora careca” de Ionesco, um pêndulo dá as badaladas que bem entende, sublinha as réplicas demonstra espírito de contradição, indica sempre o contrário da hora exata, bate cada vez mais nervoso e finalmente “não bate”. O objeto perdeu seu verdadeiro sentido.
Muitas vezes o objeto cresce a tal ponto que obscurece tudo quanto cerca. A fechadura enorme abrange inumana toda a noite. As cadeiras, da peça do mesmo nome, de autoria de Ionesco, proliferam em volta de dois velhos sufocados. A abundância da presença material expressa a invencível solidão espiritual dos protagonistas. O tema é em “O novo inquilino”, onde os móveis invadem a cena vazia, transformando-a em uma espécie de túmulo. E em “Como se livrar disso”, um cadáver expulsa os atores. Mundo vazio, mundo pesado e assustador. A incomunicabilidade e a solidão dos personagens é transmitida pela ignóbil presença dos objetos, povoando um universo desolado.

ATORES - FIGURINOS - MÚSICA

 A personificação do objeto impõe ao ator uma maneira de ser. As reações dos personagens devem ser traduzidas de maneira diversa das reações verificadas no teatro burguês. Na realidade as indicações do autor ao encenador parecem ser de duas espécies. Ora a adesão ao texto exige maior sobriedade mímica, passando o ator facilmente à classe de objeto, tornando-se então bastante próximo a caminho de cadáver-objeto. Outras vezes deverá o ator opor-se aos objetos de maneira dinâmica e seu comportamento atinge as raias da pantomima. O “Prof. Terrane”, de Adamov, rijo e inseguro, põe em dúvida sua própria existência e pertence muito mais ao sonho de que à realidade. Os personagens de Be­ckett indagam-se uns aos outros: “vocês são em verdade seres humanos? A noção de tempo acaba por lhes ser estranha e o gesto nada tem mais a ver com a palavra”.
Ao final, o escravo reduzido pelo senhor a condição de objeto pode também desregular. O mecanismo mental de Lucky encalha-se como o móvel de Tadieu.
A fixidez dos tipos é mantida pela continuidade de sua atitude: “de um extremo a outro da peça cada personagem principal deve conservar uma atitude, uma maneira de falar que lhe seja peculiar”. (Adamov em “A Paródia”). De mais a mais Adamov insiste, que essas indicações não tem outra finalidade de que sublinhar o caráter de paródia que tem a peça. No entretanto devemos nos abster de qualquer estilização. O comportamento absurdo dos personagens, seus gestos, falas, etc, devem aparecer absolutamente naturais e próprios, ávida e cotidiana.
Em Vauthier, ao contrário, a maneira de representar está bem próxima do comportamento cênico de um bailarino. Isto porque os personagens não têm reações diante dos acontecimentos, tornam-se mais secretos ainda, devido aos seus estados de alma. Neles o acontecimento gira em torno e dita figuras ritma­das, com paradas bruscas e retornos, provocados por rupturas de intenção, sarcasmos, violências, lamentações.
Os gestos na maioria das vezes são os da vida real, tendendo ao ballet, a menos que não sejam autênticos. Em “O Capitão Boda”, da extrema mobilidade das atitudes mentais depende a exteriorização luta consciente ou inconsciente do personagem. O dilúvio de palavra lançada aos objetos pelo “Personagem Combatente”, a luta travada contra as paredes de seu quarto de fogo devem ser muito mais um esforço patético, do que um simples delírio verbal. Ele permanece de pé, o máximo de tempo, a boca não se fechando nunca por causa das palavras. Há na peça em muitos momentos um cansaço obrigatório que deve se coadunar com as torrentes da chuva.
Ator-cadáver, ator-dançarino, essas duas concepções não deixam de evocar conjuntamente, Artaud e Craig. Para este o ator ideal deveria saber conceber e representar os símbolos de tudo quanto existe na natureza. Para Artaud, o corpo é possuidor de um sopro vindo do recôndito organismo e que perfeitamente se transporta aos mais altos parames, onde o corpo superior o espera. No limite e para tornar visível a expressão anímica em mais aos traços, a máscara ou as sombras chinesas que vão de “Ubu Rei” a “Tiago ou a submissão”, passando por “Capitão Boda”, pretendem apenas substituir as ridículas expressões do rosto humano. Vem daí a perda da função das vestimentas. Como poderão elas tornar precisa uma ação que se desenvolve fora do tempo? Só poderá cair no anacronismo buscando o fantasioso e acomodando-se com o valor do símbolo. Em “A Paródia”, as mudanças de roupa de Lili, simbolizam seu caráter, enquanto as vestimentas dos outros atores permanecem as mesmas no desenvolver de todo o espetáculo. Corpo vivo, móvel, plástico, o astro joga com o universo inteiro e recebe a linguagem sussurrada da realidade. Aparecem, pois outros meios além do gesto e da voz; a música, o ruído, o rádio. Em “Conversação Sinfonata” de Tardieu, o próprio personagem participa disso, pois os componentes do coro falam o mais possível sem modulação cantada, unicamente com os efeitos do ritmo ou da intensidade. Não representarão o sentido do que dizem, como costumam fazer os atores, mas o som, como se fossem instrumentistas. Haverá, pois um contraste entre o que dizem e atitude que permanecera séria e impessoal, com essa espécie de afastamento próprio a certos músicos profissionais que fazem o possível para tocar bem, conservando-se, no entanto aparentemente longe do que está fazendo. Muitas vezes, como no caso de “Todos contra todos”, os ruídos são serenos e o rádio desempenha o papel de coro antigo. Já em “Capitão Boda” os ruídos produzem um efeito de choque e assumem devido a sua procedência externa um caráter de hostilidade implacável. Papel mecânico exercido pelo fonógrafo, apitos de trem na noite, barulhos de ferro em pequenas vigas, campainhas estridentes, ainda que nada mais representem do que objetos, coisas indefinidas, estranhas ou banais contribuem, no entanto para criar não uma atmosfera, mas um mundo concreto, cheio de signos, obvia­mente estabelecidos.
Teatro de Vanguarda transtorna o repouso dos sentidos. Restabelece a noção das figuras e dos símbolos-tipos, que agem como “cóupa de silenos”, de point d’argne, dos arrêts de sang, dos appels d’humour dos pousees inflammetei­ros d’imagem dans nos tête brusquement réveilíces” (Artaud - Le theatre et sem deubre”). Cenário, personagens, objetos, músicas são elementos necessários a um espetáculo cujo objetivo é provocar. Provocação pela ausência, provocação pela presença excessiva. Sempre e até nas coisas surge a idéia do coito, da luta, da mortandade. Os textos citados mostram muito bem a identidade do papel assumido pelo aparato cênico nas peças de Ionesco, Tardieu, Beckett, Vauthier ou Adamov. Somente esta, pelo menos em “Ping-Pong” parece afastar-se dos atributos do Teatro de Vanguarda, dando-lhe um novo sentido, muito mais ins­crito na história, recusando-se a dizer como o inventor de Vauthier: “Meu mérito, se existe, é o de ter redescoberto velhos modelos, agora já bastante aperfeiçoados e tê-los colocados na ordem do dia”. Mas nesse ponto, o estudo do conteúdo vai além do estudo da técnica propriamente dita.

Trabalho elaborado por
CARLOS PINTO
NOTAS SOBRE ALGUNS DIRETORES
ANTONIN ARTAUD
Já em 1924 aspirava escapar das limitações do placo italiano abolindo o caráter fixo da relação público e espetáculo. Teorizou que o palco pudesse ser deslocado de acordo com as necessidades da ação. Infelizmente nunca teve a coragem de por em prática as próprias idéias e até nos empreendimentos mais ousados sempre ficou ligado à estrutura à italiana.Artaud denuncia o ator ocidental coerentemente com a sua recusa de qualquer teatro governado pela psicologia e, de modo mais geral, pelo texto literário. Quando descreve o ator de Bali, ele exprime, pelo contraste, a sua aversão ao realismo ocidental. Artaud sonha com um ator que consiga libertar-se dos imponderáveis circunstanciais e renunciar à sua "liberdade de interprete, alcançando uma disciplina vocal e um domínio corporal tão totais que se torne capaz de emitir, no momento oportuno, exatamente o "signo" que é solicitado a produzir. Uma supermarionete em suma. O que Artaud denuncia na prática ocidental é um duplo condicionamento, uma dupla alienação: submissão ao significado ou à ressonância psicológica das palavras, submissão ao estereótipo mimético. Artaud recrimina o ator ocidental por ter perdido a faculdade do grito.
AUGUSTO BOAL
Criador de várias técnicas teatrais entre quais lembramos: o teatro fórum, o teatro do oprimido, o teatro invisível. Extremamente sensível aos problemas sociais representa os seus espetáculos pelo Brasil afora, exortando os oprimidos a reagirem contra os seus opressores. Mas quais opressores? "Usávamos nossa arte para dizer verdades, para ensinar soluções: ensinávamos os camponeses a lutarem por suas terras, porém nós éramos da cidade grande, ensinávamos aos negros a lutarem contra o preconceito racial, mas éramos quase todos alvíssimos; ensinávamos ás mulheres a lutarem contra seus opressores. Quais? Nós mesmos, pois éramos feministas-homens, quase todos. Valia a intenção." Boal critica o jeito de representar dos atores brasileiros legados TBC não porque o teatro fosse mal feito mas porque cheio de trejeitos que impediam o ator de se expressar. Em contraposição Boal introduz de maneira sistemática as técnicas de Stanislavski que tinha aprendido nos EUA
BERTOLD BRECHT
Rejeita a desigualdade social refletida pela sala italiana e condena o ilusionismo e a relação alucinatória que o palco fechado possibilita, nem por isso deixa de conservar na sua pratica os recursos técnicos e a relação frontal estática que caracterizam a estrutura à italiana. Ele pede que o palco se torne uma área de jogo, um espaço concebido em função da representação do ator. O espectador tem constantemente consciência de estar assistindo uma representação, mantém a distancia dela, não se envolve mas julga criticamente os fatos que lhe são apresentados. Para Brecht é preciso inventar um outro ator, portanto novas técnicas de interpretação, ao mesmo tempo em que uma nova definição de suas tarefas no campo da interpretação. Inventar um ator que pelo seu desempenho incite o espectador a questionar-se. Questionar-se sobre o comportamento dos personagens; sobre as ações que estes empreendem ou se recusam a empreender; sobre as relações de força que subjazem às relações sociais etc. Um ator que sabia evitar a hipnose do espectador, lembrando-lhe, através dos processos do distanciamento, que o palco não é a imagem de um mundo subitamente tornado inofensivo, que o espetáculo não imita a realidade, mas permite enxergá-la.
CONSTANTIN STANISLAVSKI
O bom ator não deve praticar em absoluto uma representação a base da emoção. O que deve é utilizar a sua experiência mais íntima para encontrar dentro de si mesmo uma emoção verdadeira. Ao mesmo tempo, ele deva dispor de um tal domínio técnico que possa controlar as manifestações dessa emoção: modular e orientar sua utilização para fins interpretativos. Esse domínio pode ser adquirido através de um treinamento apropriado baseado num trabalho simultâneo sobre o corpo, a respiração, a voz ... e numa articulação permanente entre a introspecção e a interpretação. Esse trabalho deve também travar uma luta permanente contra as facilidades e os condicionamentos que decorrem de toda prática teatral mais ou menos submissa às pressões da tradição, dos hábitos do público, da rotina que vive à custa de uma encenação forçada a repetir-se noite após noite etc.
GORDON CRAIG
       Precisa, do palco italiano em função da sua estética que exige a imobilidade do espectador, que, por ele, está observando uma obra de arte, sua única função é de contemplar e admirar uma criação cujos meios e cuja magia devem permanecer um mistério para ele. A busca obsessiva pela perfeição em contraposição as intervenções do acaso e da inconstância humana, sobretudo do ator, fazem Craig sonhar em um teatro sem ator! Craig pretendia extirpar radicalmente a espontaneidade e a improvisação. Para Craig o ator que se entrega aos seus impulsos não pode mais ser considerado como um instrumento confiava do espetáculo, uma vez que este deve visar a uma rigorosa perfeição formal e a uma total coerência. "A arte é a antítese do caos, que não passa de uma avalancha de acidentes." Também ele critica a própria arte do ator, o caráter mimético da interpretação, a confusão entre o interprete e o personagem que não passa de um engodo. O desejo de identificação afetiva desemboca na incoerência (Os acidentes ou nos estereótipos esperados pelo publico).
JERZY GROTOWSKI
A relação entre o público e o ator torna-se uma relação física ou melhor fisiológica, na qual o choque dos olhares, a respiração, o suor etc., terão participação ativa. O isolamento do espetáculo na caixa do palco italiano, seu afastamento físico do espectador constituem-se obstáculos e devem ser abolidos. O ator grotowskiano deve rejeitar com absoluto rigor qualquer vestígio de exibicionismo e de rotina, habitualmente gerados pelo contato repetido com um público e pela reprodução dos mesmos gestos, do mesmo texto etc. Isso explica a opção por um espaço de dimensões reduzidas ou de um espaço fixo. A busca grotowskiana concentrada no aprofundamento da relação ator-espectador, define-se como teatro pobre, e recusa a ajuda de qualquer maquinaria. Em compensação o dispositivo poderá ser modificado por completo de um espetáculo para outro. Em 1961 com a apresentação da peça "Os antepassados" temos enfim a ruptura total da divisão dos espaços palco e platéia tornam-se um espaço único. Nos dois espetáculos seguintes (Kordiam: e Fausto) aperfeiçoam e reforçam essa integração entre ator e espectador que, sem dúvida, nunca foi tão completa na história do teatro. A novidade mais marcante do teatro grotowskiano reside sem dúvida numa redefinição de função e da arte do ator. Este deixa de ser o ilusionista ou o imitador do palco tradicional. O ator passa a ser o seu próprio personagem, e a representação não é mais a simulação, quer realista ou estilizada, de uma ação, mas um ato que o ator cumpre, e cuja essência ele tira do mais profundo de si mesmo. É o ato do desvendamento.
ZEAMI
"Conhecer o Nô significa conhecer os procedimentos relativos a flor. Esses procedimentos nada mais são do que conhecer-se a si mesmo, conhecer o outro e reconhecer o momento propício." Substancialmente a flor, segundo Zeami, não é outra coisa se não o insólito que sente o espectador, ou seja, a flor é a imagem do Belo que suscita o sentimento do espectador através da linguagem de representação. Assim, o Belo da flor que se reflete nos olhos do público e a alma da flor que nasce do sentimento do ator, formam o verso e o reverso de uma mesma flor, que se misturam sutilmente, refletindo a complexidade deste termo. podemos reconhecer três níveis nos graus de arte concebidos por Zeami: O nível do grau de bem estar (este grau de perfeição vem alcançado pelo ator após numerosos exercícios). O nível do grau de maturidade (O ator graça a sua habilidade transforma um estilo incorreto em correto).E o grau da maravilha (Onde todo pensamento ou idéia desaparece para deixar lugar apenas a maravilha).
LEE STRASBERG
Ator, diretor, e professor proeminente de Interpretação Cênica, Lee Strasberg nascido em Budanov, Áustria, a 17 de novembro de 1901, e morto em 17 de fevereiro de 1982, ajudou a formar gerações de atores americanos com "O Método", técnica introspectiva que ele adaptou de Konstantin Stanislawsky. Tendo estudado no American Laboratory Theater, Strasberg, Harold Clurman, Elia Kazan, e outros fundaram o Groupe Theatre em 1931. Uniu-se ao famoso Actors Studio em 1947 sendo seu diretor artístico de 1948 a 1982, quando formou atores famosos como Marlon Brando, Paul Newman, e Julie Harris. Strasberg expôs os seus princípios de interpretação cênica no livro “Strasberg no Actors Studio” (1965). Sua estréia como produtor foi no filme “O Poderoso Chefão, Parte II” de 1974.

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