TEATRO AMADOR - REFERÊNCIAS
O Núcleo do Teatro de Brecht publicou os Cadernos do Teatro em mídia impressa que foi distribuído aos participantes dos cursos e do Núcleo para que houvesse um conhecimento básico sobre as técnicas de teatro para os iniciantes.
Aqui está sendo mostrado o volume nº 2 que versava sobre teatro amador.
ARTES CÊNICAS
As artes cênicas utilizam os conhecimentos culturais e de
comunicação para criar, conduzir e interpretar peças teatrais que têm como
objetivo passar idéias e emoções ao público. As artes cênicas são uma forma de
comunicação que divulga a cultura de maneira crítica e particular, em forma de
expressão artística.
Para se formar em artes cênicas, o aluno é incentivado a
desenvolver uma sensibilidade artística e sua criatividade. Uma experiência
prévia em teatro ajuda o aluno a desenvolver aptidão, que é avaliada numa prova
anterior ao vestibular.
Ao contrário do que se pode pensar o curso de artes cênicas não é
apenas prático, o aluno tem disciplinas teóricas, relativas à história do
teatro, português e outras, que se intercalam com a parte prática que inclui
exercícios de improvisação, capacitação interpretativa, trabalho de grupo,
criação de personagens, dentre outras.
O profissional de artes cênicas pode se especializar em
dramaturgia, redigindo peças de teatro ou adaptando textos literários ou
cinematográficos a uma linguagem teatral, além de poder escrever telenovelas,
seriados ou programas para rádio. Este profissional tem que conhecer,
profundamente, a teoria, estilos e técnicas de interpretação teatral e narração.
Uma especialidade mais prática é a interpretação teatral onde o
próprio artista cênico é responsável pela transmissão das idéias, para isto,
ele precisa ter desenvolvidas as capacidades de tradução de emoções e
sentimentos, ter controle dos movimentos corporais, faciais, da entonação de
voz e outros recursos necessários para o ator. Nesta especialidade o
profissional tem um esquema de trabalho muito inconstante, variando de acordo
com o espetáculo, seriado ou novela. Pode trabalhar muito durante um período e
ficar um longo tempo sem atividade.
A direção teatral é outra possibilidade de atuação onde o
envolvimento é total com todas as etapas do trabalho, afinal, é esta
especialidade que escolhe a peça, o elenco, orienta cada ator na interpretação
de seu personagem, acompanha figurino, cenografia, iluminação, maquiagem,
sonoplastia, trilha e muitas vezes chega até a participar da promoção das
peças.
O trabalho pode ser mais específico, como é o caso do cenógrafo,
que precisa pesquisar o conteúdo das peças para organizar todos os elementos
cenográficos de maneira adequada ao estilo e o tempo a que o texto se refere.
No geral este profissional tem que ser muito criativo para utilizar os
materiais menos dispendiosos, atendendo às possibilidades orçamentárias.
O profissional pode optar por um trabalho mais teórico como a
teoria teatral que requer um profundo conhecimento teórico e uma grande bagagem
cultural para a pesquisa, estudo e preparação de livros didáticos em teatro, ou
ainda para se tornar um crítico, escrevendo para os diversos veículos de
comunicação.
O curso tem duração mínima de três anos, a titulação é de bacharel
em artes cênicas e para exercer a profissão é obrigatório o registro na
Delegacia Regional do Trabalho (DRT).
TEATRO AMADOR
MARIÂNGELA
ALVES DE LIMA
Cada vez que
mencionamos a expressão “teatro amador”, as palavras emergem carregadas de
conotações que não definem a natureza da atividade. Socialmente o amadorismo é
identificado ao diletantismo, coma uma atividade cujo único objetivo é a
autogratificação. A crítica freqüentemente endossa essa perspectiva estreita,
quando adota a classificação de “amador” para designar um desempenho
tecnicamente insatisfatório. Ou, quando trata a criação teatral que não está
vinculada à bilheteria com uma certa condescendência paternalista. Afinal,
trata-se do lazer de um grupo de pessoas que oferece “desinteressadamente” um
espetáculo teatral.
Não há dúvida que a execução de uma obra de arte propicia ao seu
criador uma dose de autogratificação quando atinge seus objetivos. E é um fato
também que os amadores dedicam à construção de um espetáculo um tempo vital que
seria habitualmente dedicado ao lazer. Mas esses dois fatos não resumem nem a
natureza nem os efeitos do amadorismo. A satisfação que a obra proporciona ao
seu criador não é exclusividade do amadorismo. Nem mesmo o caráter lúdico
distingue à atividade amadora de qualquer outra criação artística. Grande parte
das obras que consideramos incorporadas ao patrimônio estético da humanidade
guardam, no momento do fazer, um caráter parcial de jogo e de auto-expressão
que proporcionam prazer ao seu criador.
O que realmente define o amadorismo, sem levar em consideração
conceitos valorativos ou critérios estéticos é o seu caráter não-econômico.
Trata-se de uma manifestação teatral que não visa garantir a subsistência dos
seus criadores. Quando há bilheteria, o objetivo é apenas a auto-sustentação da
atividade, e não uma margem de lucro capitalizável.
Essa ausência de um vínculo equilibra as vantagens e desvantagens
do amadorismo. Por um lado o desinteresse pela previsão de lucros proporciona
uma liberdade na seleção da mensagem de uma obra. Sabemos que há grupos de
profissionais, ou profissionais isolados que precisam, para sobreviver
economicamente, moldar suas produções sobre uma média. A uma produção que
oferece uma proposta interessante, mais riscos simultâneos de bilheteria, é
preciso fazer seguir outra menos interessante como proposta, mas seguindo
critérios de aceitação já comprovados. E o defeito de uma produção de sucesso
já comprovado é, naturalmente, a redundância. Aos amadores esse desconforto,
que é quase sempre a tortura ética dos bons profissionais, é poupado. Podem
optar por uma criação que ainda não foi testada como receita de sucesso. Há portanto,
para os amadores, uma margem de atuação muito mais ampla.
Por outro lado a formação dos quadros de atuação do teatro amador
é ainda mais instável do que a dos quadros profissionais. Cada participante do
grupo tem geralmente uma atividade econômica que absorve a maior parte do seu
tempo vital. A quantidade de trabalho empregada na criação teatral é um
excedente. Grande parte da capacidade de trabalho de um amador é consumida por
uma atividade de natureza econômica antes do momento da produção teatral. Um
grupo amador reúne, geralmente à noite, pessoas que dispenderam durante o dia
energias que poderiam ser utilizadas na criação da obra teatral. E é
freqüentemente que um participante, muito a contragosto, seja obrigado a
abandonar um trabalho no meio do caminho, pressionado pela sua atuação de
natureza econômica dentro da vida social.
A essas contradições operacionais somam-se outra, muito mais
séria, de natureza ideológica. Um problema que afeta não só os artistas
amadores como toda a criação cultural da sociedade contemporânea. É quando um
artista, em qualquer área de atuação, liga-se a um modelo de produção
específico e considera-o como um padrão a ser atingido.
No caso do teatro amador essa característica manifesta-se quando
um grupo empresta do modelo profissional a estrutura e a organização
operacional, imaginando assim igualar as excelências da criação do teatro
profissional nos seus melhores momentos.
Na verdade, no momento em que um grupo de amadores organiza-se
internamente seguindo padrões profissionais está comprometendo sua obra,
fazendo uma cópia dos produtos estéticos de um teatro de raízes próprias.
Esquece-se que na história da arte a aparição de um “produto” revela
simultaneamente o processo de produção.
Quanto ao teatro profissional, a divisão de trabalho que está na
base de um espetáculo resulta de uma série de medidas econômicas, definidas
durante um processo histórico.
Basta seguir nas suas linhas mais simples, o caminho da produção
de um espetáculo profissional:
Um homem de teatro escolhe uma forma de representar a realidade
que ele considera adequada aos seus objetivos estéticos, sociais, e a formação
técnica. Em seguida procura um produtor, que vai fornecer o capital para a
realização da obra. É um ponto pacifico que qualquer pessoa que empenha um
capital espera a rentabilidade desse capital.
Nesse primeiro contato entre o homem que pensou o espetáculo e o
homem que vai financiá-lo surgirão reformas do projeto original. É muito
provável que o produtor faça sugestões de como tornar essa criação que em
princípio poderia ter como objetivo único a transmissão de uma mensagem
importante mais enfeitada, mais atraente para um grande número de espectadores
pagantes. Começa em seguida o trabalho de formação do elenco.
Também nesse caso a viabilidade econômica é um fator essencial.
Muitas vezes é preciso entregar parte do trabalho a um ator que não está de
acordo com a proposta. Às vezes isso acontece porque o ator que estaria de
acordo com a proposta não se adapta ao salário oferecido pela produção. Outras
vezes porque é preciso convidar um ator que “já tem nome feito” para funcionar
de chamariz de público. Nesse caso a produção procura atualmente um ator que
adquiriu popularidade na televisão. E assim por diante, os mesmos critérios são
aplicados na contratação do cenógrafo, do diretor e do compositor.
Entretanto, no momento do espetáculo, a representação é apreendida
como um todo. O espectador presente não sabe que aquilo que ele percebe em duas
horas é resultado de uma divisão especializada de trabalho. Não sabe que há um
diretor, um protagonista, um coadjuvante. E não sabe também que a remuneração
de cada uma dessas atividades é baseada em uma hierarquia historicamente
determinada.
Por quê um diretor ganha mais do que um ator sobre a renda? Por
que um dramaturgo tem uma participação de 10% na bilheteria enquanto o ator tem
um salário fixo? Por que um operador do quadro de luz e do som (que geralmente
é também o iluminador e o sonoplasta ganha menos do que um ator? Mistérios).
Qualquer pessoa razoavelmente leiga que conheça a interioridade da
produção teatral sabe que a contribuição de cada um desses participantes é
igual ao todo da obra. Se algumas dessas peças hierarquizadas através de
dogmas, não funcionar no momento próprio o todo da obra será incompleto. Será
no mínimo, diferente da proposta original.
Não há distinções qualitativas entre a contribuição de um ator, de
um diretor, de um sonoplasta, etc. Todos são, em igual medida, responsáveis por
aquela criação que é apresentada ao público. É fácil concluir, portanto, que a
hierarquia se expressa apenas na divisão de salários.
Vamos considerar aqui que a imagem teatral é composta por signos
de natureza diversa: o gesto, a personagem, o corpo, a palavra, o som, a
organização espacial. A combinação desses signos cifrados para produzir
determinada impressão sobre o espectador constitui aquilo que chamamos
linguagem teatral.
uma linguagem que usa portanto em igual medida, de acordo com seus
objetivos de comunicação, todos os participantes de uma representação teatral.
Um ator não pode executar sua parte se não tiver a noção do
espaço, do som e da movimentação geral de um espetáculo. Todos os participantes
precisam conhecer o desenvolvimento temporal da representação, se não quiserem
correr o risco de colocar o efeito de som, ou um diálogo, na hora errada.
Conclui-se portanto que a natureza da representação teatral é
essencialmente contrária à divisão especializada do trabalho. Se a
representação se manifesta como um todo, com uma linguagem, parece absurdo
conferir uma hierarquia ao processo de produção.
Essa divisão de trabalho é em princípio apenas um assunto interno,
transparece na obra como fragmentação da proposta original. É comum ouvirmos,
à saída de um espetáculo comentários desse tipo: “Gostei da peça, mas não
gostei do espetáculo”. Ou: “Gostei do ator X, mas achei o ator Y péssimo”. E
assim por diante.
Essas coisas acontecem quando a obra deveria ter impressionado o
espectador como um todo. É raro ver o mesmo comentário aplicado a uma música, a
um livro ou a um quadro. Se uma obra de arte é realmente um ser vital no mundo
não podemos arrancar-lhe pedaços. Um quadro de Rembrandt não inspira seguinte
avaliação: “Gostei do nariz, mas não gostei do cabelo”.
Esse desmembramento ocorre no teatro porque alguns homens optaram,
em um determinado momento da história, por moldar a criação artística segundo o
processo de produção dos bens de consumo. Até chegar a um ponto de tentar
repetir, na produção de um espetáculo, o sistema da linha de montagem.
Espetáculos em que cada pessoa conhece apenas a parcela que deve executar
completamente alienado da significação global da obra.
Mas há uma diferença fundamental entre a produção teatral e a
produção industrial. A linha de montagem pretende oferecer um funcionamento
global, mas que não seja entendido como um todo. Quando uma peça se quebra é
possível substitui-la. Em um espetáculo, entretanto, quando uma peça não
funciona, nada mais pode ser feito para repará-la ou substitui-la. Um
espetáculo tem uma existência temporal. Não se pode recuperá-lo através de uma
operação especial. Quando é produzido por partes e uma dessas partes não está
em harmonia com as outras, o efeito já foi transmitido ao espectador,
irremediavelmente.
Há momento, mesmo dentro da história do teatro brasileiro, em que
a criação teatral esforçou-se para utilizar um processo de trabalho diferente
da linha de montagem. São momentos geralmente considerados como os pontos mais
altos (como realização artística) da história do nosso teatro. Isso acontece
quando o trabalho de um grupo se delineia, visível para os espectadores, como
uma obra coletiva, encobrindo as contribuições individuais. Posso lembrar do
Arena, do Oficina, do Tablado. São grupos em que a especialização de atividades
não desapareceu. Mas que constituíram tentativas de amenizar essas divisões
reunindo um grupo de interesse comum em que todos os participantes eram
idealmente responsabilizados pela obra teatral.
Realmente, quando falamos de teatro de grupo quase utilizamos a
expressão de “saudosa memória”. Pelo menos em São Paulo o panorama atual é
marcantemente o da produção isolada. Seguindo o processo de produção de
espetáculo descrito inicialmente.
Nos últimos dois anos o panorama do teatro paulista funciona como
uma colcha de retalhos, em que é muito difícil descobrir as razões que fazem
com que Alguém tenha escolhido tal texto, dado a esse texto, tal enfoque e
assim por diante. E há com freqüência os espetáculos que são, isoladamente, uma
colcha de retalhos com todas as costuras visíveis.
Nenhum criador pode transmitir, com a mesma eficácia, duas
verdades opostas. Por isso os atores que transitam, ao sabor das necessidades
do mercado, de uma produção para outra, devem necessariamente correr o risco de
apresentar um trabalho qualitativamente desigual.
Sobre o profissionalismo podemos dizer que nossos homens de teatro
estão derivando. Falta-lhes uma unidade. Falta-lhes uma verdade. Falta-lhes a
possibilidade de participar de um espetáculo em que todos os executores estejam
igualmente empenhados.
Mas todos esses fatores são resultados de uma série de condições
históricas que tornam o teatro, como qualquer atividade social, vulnerável aos
processos econômicos que caracterizam a totalidade de um sistema.
Ora, o que distingue o amadorismo é exatamente a liberdade
relativa das determinações econômicas. Relativa, porque o fato de um individuo
ter que trabalhar o dia inteiro e dedicar ao teatro seu tempo de lazer já é uma
determinação de natureza econômica. Ainda assim o amador não tem um tempo fixo
para a preparação de um espetáculo. Pode assim compensar em parte a falta de
tempo para trabalhar. Não precisa fazer render seu capital no prazo de vinte
dias ou de um mês.
No momento em que algumas pessoas se unem espontaneamente para a
formação de um grupo amador, partem de uma motivação comum que é a vontade de
representação. É esse o traço inicial de afinidade. Na maior parte dos casos a
função do teatro (ou seja, o efeito que a representação deverá provocar nos
espectadores) é uma consideração posterior. (Há grupos, menos freqüentes, em
que a função do teatro é o fator primordial de agregação - o teatro didático,
por exemplo).
Assim esse grupo unido pela vontade de representação abriga visões
do mundo diferentes, histórias pessoais diferentes, concepções estéticas
diferentes. Entretanto, a crença comum é a de que essas experiências originais
encontram sua melhor forma de expressão na representação teatral.
Em algumas pessoas essa vontade de representação foi estimulada
pelo conhecimento do teatro profissional. Em outros o participante é
praticamente virgem de experiências teatrais. Extrai sua intuição da força do
teatro através da representação espontânea, do teatrinho da vida que se
manifesta desde os jogos infantis até o processo de “assumir papéis” na vida
social.
Assim, esse impulso para a representação sistemática e consciente
tem origem numa aptidão natural para a representação na vida. E é nesse ponto que
podemos encontrar uma explicação parcial para a origem do teatro dentro de uma
cultura, assim como, explicar a permanência do teatro dentro de condições
históricas adversas.
Sem dúvida o argumento é aparentemente metafísico. Mas apenas
porque a ciência não encontrou jamais no organismo humano uma célula onde
esteja sediado o impulso da representação teatral. Por outro lado, a
antropologia é uma fonte de argumentos, quando documenta a representação
teatral em níveis diferentes de cultura. Há ainda a contribuição dos psicólogos
que, estudando a evolução dos jogos infantis, destacam o caráter de
representação teatral, mimético ou criativo em diferentes faixas etárias. Não
se trata, portanto, de navegar no território do imponderável. Os homens
representam para compreender-se, para compreender o mundo e, para transmitir
sua compreensão de si mesmo e do mundo para seus semelhantes.
Essa parece uma boa razão para explicar a existência do teatro no
século XX. No século em que o teatro tem a sua eficácia quantitativa
alterada pelos meios de comunicação de massa. Dentro de uma multidão de
apóstolos do Apocalipse, aparecem grupos humanos agregados exatamente pela
vontade de representação teatral, pouco preocupados com as condições que
envolvem e moldam na história presente a manifestação teatral.
Um pouco de teatro amador, com todas as suas peculiaridades
individuais e sociais é, pela sua existência, uma manifestação da aspiração
humana de expressar-se teatralmente. É lógico que possa ser, portanto, pela
espontaneidade da formação, uma ponta de lança para a experimentação, para a
inauguração de novas maneiras de compreender e expressar o mundo.
Considerando-se que todos os seres humanos são aptos para
teatralizar suas experiências vitais, todos os membros de um grupo reunidos
pela vontade de representar têm a mesma capacidade para interferir e colaborar
na produção de uma obra. ‘Um grupo que considere esse fato, que analise essa
condição fundamental da sua existência, estará dando um passo no sentido de
eliminar a divisão de trabalho que fragmenta a criação.”
Essas considerações evitariam o problema de muitos grupos amadores
que seguem pacientemente o modelo de produção do profissionalismo. Há grupos
amadores que dividem, na primeira representação, os atores mais ou menos
talentosos, o diretor, o cenógrafo, etc. E assim por diante, até que o
espetáculo revele uma estrutura interna copiada “ipsis literis” do
profissionalismo. Nesse caso as críticas do público inexperiente revelam o
mesmo conteúdo valorativo dos “habituês” das casas de espetáculo: Fulano estava
ótimo, o cenário estava péssimo, etc., e tal! Geralmente os critérios que o
grupo amador adota para operar a divisão de trabalho se apóia totalmente no
modelo adotado. Os atores “mais talentosos” são aqueles que assimilaram
técnicas dos atuantes profissionais. Mesmo quando essas técnicas não tem nada a
ver com a proposta da encenação do grupo.
A contra proposta para essa situação tem bases iniciais muito
simples.
É suficiente que o grupo parta do princípio de que, além das
diferenças individuais de treinamento, todos os participantes são igualmente
aptos para expressar-se dramaticamente. Há, além da capacidade inata, uma
intensificação dessa capacidade, através de uma escolha consciente. O grupo
está unido socialmente pela vontade de representação. Escolheu dar a essa
aptidão inata a forma visível de um espetáculo. Vão transformar, portanto, o
virtual em um projeto de comunicação com outros homens.
Essas considerações iniciais determinariam em grande parte o
processo de trabalho que vai até a concretização de um espetáculo.
Quando todos são igualmente responsáveis pela criação teatral as
experiências de vida fundem-se naturalmente à proposta coletiva. E é dessa
proposta coletiva, soma harmoniosa de todas as contribuições individuais, que
surge a conceituação da função do teatro para determinado grupo.
Um grupo de pessoas que vivem numa pequena cidade do interior tem
certamente características diferentes das de um grupo que vive em uma cidade
grande. É provável que os problemas individuais, o tipo de trabalho dos
participantes, as informações culturais, sejam típicas de um sistema agrário de
produção, e muito diferentes das condições de um sistema industrial. A
experiência vital de cada participante terá, portanto, um traço coletivo, na
medida em que é afetado e atua sobre as condições do meio, na medida em que é
informado pela cultura da região onde está situado o grupo.
Se é concedido um crédito a cada participante para revelar
teatralmente sua experiência, a dose de verdade e intensidade de uma
representação teatral, será muito mais intensa do que a verdade de uma
representação que apenas imita experiências alheias aos participantes.
Há ainda a considerar o fato de que essa obra revelará, na sua
concretização, a Unidade que resulta de um compromisso equalitário de todos os
criadores.
Quando o grupo teatral investiga as condições de vida de todos os
seus membros, quando oferece oportunidade para que essas condições emerjam no
espetáculo, encontrará as raízes comuns com todas as pessoas que vivem dentro
de condições semelhantes. Terá a seu dispor um vínculo natural com o público,
que vivencia os mesmos problemas.
Tudo isso não constitui, naturalmente, a proposta de um teatro
regionalista. Freqüentemente, na história da arte, a dimensão de uma obra é
dada pela sua capacidade de projetar-se no tempo e no espaço. Mas para que isso
possa acontecer, é preciso que a obra inclua no processo de produção, o
compromisso profundo do seu criador.
O mesmo acontece com uma obra teatral para que um espetáculo
atinja profundamente o maior número de pessoas é necessário que ele contenha o
compromisso do seu criador. E, como um espetáculo é um trabalho coletivo, como
um livro, ou qualquer outra arte, deve expressar a verdade das pessoas que o construíram,
para poder projetar-se além das condições de vida particulares dessas pessoas.
E essa verdade só pode ser obtida se o grupo estabelecer claramente para si
mesmo as relações entre a arte que fazem e as condições de vida que são
peculiares do seu tempo e do seu espaço.
Um grupo amador disposto a revelar na representação o compromisso
de todos os participantes, seguirá naturalmente um processo de trabalho
completamente diverso da montagem de uma encenação profissional.
Inicialmente o grupo utilizaria um processo de trabalho
caracterizado pela pesquisa em diferentes níveis. Pesquisa das condições
históricas de todos os participantes. Pesquisas das condições do público.
Pesquisa de uma teoria teatral adequada, para expressar os conteúdos investigados
pelo grupo.
Por teoria teatral entenda-se aqui uma série de conhecimentos
teóricos disponíveis, que podem ser adequados na sua totalidade, ou apenas
parcialmente, ou combinados, até que o grupo formasse a sua própria teoria
teatral. Ou seja, um aparato teórico próprio e adequado, é especificidade da
sua prática.
Tudo isso é muito diferente do trabalho que começa com a escolha
da peça. Geralmente o repertório dramático disponível já traz implícita a sua
execução. Se tomarmos como exemplo uma peça de Jorge Andrade. Os conteúdos
apresentados são certamente importantes e compreensíveis para uma grande parte
da população brasileira. Entretanto sua execução supõe uma série de recursos
técnicos que fazem parte do arsenal histórico do teatro profissional. O ator deve
dominar especialmente a expressão verbal, deve saber compor uma interiodade
psicológica para a personagem, etc. Um grupo amador que pretenda executar uma
peça de Jorge Andrade, mas que não domine este tipo de técnica, realizará uma
encenação qualitativamente inferior a de um grupo de atores profissionais que
passa três ou quatro anos treinando o método Stanislavski, técnica de
play-whiting, impostação de voz, etc.
Pelo contrário, um trabalho que começasse pela pesquisa do grupo,
antes da seleção de um texto, desencadearia um processo de aprendizagem que não
é unicamente adequado para a representação teatral. Não seria apenas a técnica
teatral, embora o processo ocorra durante o fazer teatro.
Primeiramente o grupo determina a área de conhecimento, que
informará a representação. Realiza assim um trabalho de levantamento das suas
condições culturais, das condições mais amplas dos grupos sociais que partilham
sua experiência de vida.
Nesse trabalho algumas prioridades serão delineadas: o que é
comum? O que é urgente? Como fazer?
Acontece então, naturalmente (porque experiência vivida) a opção
do grupo em relação à função do teatro. Escolham uma área que considerem mais importante
para a representação. E depois decidem no “como fazer”, de que maneira o
conhecimento adquirido na pesquisa deve ser transmitido ao espectador. Deve
emocioná-lo? Deve fazê-lo refletir? Deve fazê-lo tomar uma posição? Qual? E
assim por diante. A resposta a cada uma dessas perguntas dará ao grupo a sua
própria teoria teatral. Escolhendo o objeto da representação, escolhendo a
forma de atuação sobre o público, escolherá naturalmente a sua forma peculiar
de proposta estética.
Uma das objeções que se pode fazer a essa proposta é a seguinte:
por que o teatro? Afinal, um grupo de pesquisa pode expor o resultado do seu
trabalho, através de um texto informativo, assim como através de qualquer outra
forma de representação artística.
Mas o que é que une um grupo de teatro amador é exatamente a
vontade de representação. Se fosse o futebol, seria o futebol, mas não é. Para
quem considera que o amor ao teatro precisa de uma justificativa; é
perfeitamente possível justificar, ressaltando a potência da representação
teatral.
No momento que um grupo de pessoas representa em três dimensões
uma vivência coletiva, está oferecendo aos espectadores, e a si mesmo uma
imagem sintética dessa experiência. Enriquecida pela contribuição de cada
participante, que acrescenta à experiência original sua opinião, suas emoções,
sua maneira insubstituível de conceber o horror e a beleza. O conhecimento
adquirido e representado não é mais a informação fila, mas a informação
ampliada pelas relações descobertas pelos atenuantes.
A representação teatral, idealizada coletivamente, será a
manifestação do terreno que os participantes desenvolveram para o diálogo. Será
construída por um sistema de propostas e respostas permanentes, entre os
participantes. E quem está apto para responder e prestar atenção nas propostas
dos companheiros, estará apto para sintonizar-se da mesma forma com o público
no momento da representação.
O que o público vê em cena, como material de obra de arte, é um
homem com a mesma forma física, a imagem das suas próprias aptidões. Se esse
homem que está em cena, pode refletir o mundo e representá-lo, utilizando para
isso apenas seu corpo e seu psiquê, todos os espectadores presentes são dotados
de atributos para a resposta.
E há mais: se esse grupo em cena consegue, através do teatro
estabelecer um diálogo vivo entre os participantes, assim como entre a
representação e a vida, todos os espectadores presentes poderiam dar-se ao
trabalho de fazer o mesmo.
Isto quer dizer que, além da montagem especifica de um trabalho,
um grupo amador poderia lançar sempre uma outra proposta, a proposta de fazer
teatro. Porque todas essas coisas que acontecem no fazer teatro (compreensão,
organização, diálogo, compromisso) são coisas que bem poderiam acontecer na
vida.
O TEATRO
NOVO
HAROLD CLURMAN, que apresentamos a vocês, foi um dos mais
destacados diretores teatrais dos Estados Unidos. Ele ajudou a fundar e foi o
principal diretor do importante Grupo Teatral da década de 30 e descreve essa
experiência em seu livro “The Fervente Years”. Dirigiu também, as primeiras
apresentações de obras de escritores teatrais famosos como: Eugene O’Neill,
Clifford Odets, Lilian Hellman, William Inge e Arthur Miller. Hoje é crítico
teatral do “The Nation’, e uma coleção de suas críticas foi publicada em “Lies
Like Truth: Theatre Reviews an Essays”.
O que constitui o cerne da maior parte das manifestações do teatro
novo na Europa e Estados Unidos, é a ênfase da ação no palco e não a
importância literária da peça. Encontra recentes exemplos para expor a virtude
do vigor e do perigo da negligência. Este artigo foi extraído do número de
fevereiro de 1971, da revista “Harper’s”.
O TEATRO
NOVO
HAROLD CLURMAN
Existem duas atitudes prevalecentes em relação ao que se
denomina teatro novo ou de vanguarda. Há os seus defensores diletantes e há
aqueles que são os seus difamadores ferrenhos. Ambos estão errados. Na prática,
o fenômeno possui aspectos tão diversos e métodos tão ecléticos, que desafia
uma rotulação.
Acima de tudo essa nova forma é uma reação ao realismo vulgar. Mas
não há nada de particularmente novo nisso. O teatro realista é em si um
desdobramento relativamente recente, tendo sido iniciado há mais ou menos um
século. O No e o Kabuki japoneses e o teatro clássico grego formam e ainda são
na medida que ainda existem, teatros totais. Têm pouco em comum com o realismo
dos séculos XIX e XX.
De um modo geral, o teatro novo evita a literatura como fator
primordial. No teatro moderno não é mais essencial o drama com um enredo a ser
desenvolvido, ilustrado e interpretado pela ação no palco. Aquilo que comumente
chamamos de peça, e que é a obra de um dramaturgo cuja expressão verbal é o
centro do acontecimento teatral, já não é fator predominante. Um texto
respeitável pode ser o trampolim para o que se vê no palco, mas é usado de um
modo que tornaria difícil a seu autor reconhecê-lo e até mesmo aceitá-lo como
sendo de sua autoria. As palavras usadas foram absorvidas em um contexto de
movimentos físicos, som, luz, episódios improvisados e de incidentes que,
tomados em sua totalidade, formam o que constitui uma nova peça possivelmente
com um significado diferente.
Todo o drama, no teatro, passa por uma tradução da idéia ou tema
inicial, que é enunciado em diálogo com o vocabulário do palco: a
representação, o cenário, a direção. O Hamlet, de Shakespeare existe apenas
como texto impresso; o que vemos no teatro é o Hamlet deste ou daquele ator ou
desta ou daquela companhia teatral. Contudo, no teatro formal de nossa era o
ponto habitual de referência é sempre o texto original. A gesticulação e a
mímica, os figurinos, montagens de cenário, a luz e o som, as improvisações,
que podem até incluir a participação da platéia, às vezes se sobrepõem à
importância da palavra falada ou do texto. No teatro a peça é o produto de um
jogo coletivo.
Palavras Contra Movimento
A redução da obra dramática a uma função de cenário num contexto
mais amplo da representação total da companhia é o traço marcante e principal
do teatro novo. Meyerhold, grande diretor russo e, até certo ponto, o precursor
não reconhecido da maior parte do que hoje se considera moderno em teatro,
fraseou a nova estética: “No teatro as palavras são apenas complemento das
formas de movimento”. Isto foi escrito em 1908, antes de Gordon Craig publicar,
em 1911, ponto de vista idêntico, nos Estados Unidos.
Esses pioneiros são raramente citados pelos aficionados do teatro
novo americano ao contrário de Antonin Artaud, ator francês e profeta teatral,
que é sempre citado. Dois títulos de capítulos de seu livro, “The Theatre and
lis Double”, tornaram-se slogans do novo movimento. Esses capítulos
intitulam-se Teatro da Crueldade e Basta de Obras Geniais.
Para se entender as teorias de Artaud, é necessário traduzir suas
declarações essencialmente poéticas para uma linguagem mais sóbria. No
vocabulário de Artaud crueldade que dizer intensidade. Ele desejava que o
teatro atingisse a força’ dos fenômenos naturais como o relâmpago e o trovão.
“Essa crueldade”, escreveu em carta a um amigo, “não quer dizer sadismo ou
violência física... não é, também, um culto sistemático do horror... A palavra
crueldade deve ser tomada em um sentido amplo... Do ponto de vista da mente,
crueldade significa rigor, intenção e raciocínio implacáveis, determinação
irreversíveis e absoluta”.
Em certas manifestações do teatro novo norte-americano espera-se
muito de elementos como o acaso e o acidente, que são coisas que podem
acontecer durante o livre intercâmbio dos atores com o público. No exemplo de
Artaud de representação perfeita como no teatro de Bali, que é do mais alto
nível, ele diz que “tudo é organizado com encantadora e matemática
meticulosidade. Nada é deixado ao acaso, ou à iniciativa particular”.
Quanto ao Basta de Obras Geniais trata-se de um apelo para que a
importância da palavra escrita seja substituída pelo valor do espetáculo, da movimentação,
da música, dos gemidos e choros e outros efeitos sonoros. A receita de Artaud
lembra a de Gordon Craig: “Quando os literatos se conformarem em estudar a arte
teatral como uma arte separada da arte literária, não haverá mais nada que nos
impeça de recebê-los em nossas casas.”
Essas citações fazem parte da retórica do movimento e essa
retórica como na política, não é nem ilustrativa nem conclusiva. Craig e Artaud
nunca tiveram oportunidade de concretizar suas teorias numa produção real.
Exemplos de peças representadas atualmente são mais ilustrativos do que
manifestos.
Uma Metáfora Teatral
Em Motel, parte do tríptico intitulado América, Hurrah! encenado
por Joseph Chaikin e planejada com a colaboração de Jean-Claude van Itaílie,
vemos um manequim que anuncia as atrações de um motel. Sua fala é uma gravação.
Enquanto a propaganda jorra da máquina, um homem e uma mulher entram em cena
grotescamente mascarados. Talvez seja um casal em lua-de-mel. Escrevem
obscenidades na parede. Quebram quase tudo que há no palco antes de irem para a
cama. Enquanto se aproximam deste clímax, luzes ofuscantes são projetadas sobre
a platéia e um ruído ensurdecedor, a cacofonia de nossa civilização enche o
auditório. Motel é uma metáfora teatral representativa de nosso meio. O que é
verbalizado só tem importância em relação ao que experimentamos através do
assalto auditivo e visual a nossos sentidos.
Dionysus in 69 que é uma livre adaptação de As Bacantes, de
Eurípedes, pelo Performance Group, de Richard Schechner, emprega muitos dos
elementos sugeridos por Artaud em seu programa para um teatro de crueldade. Em
seu livro Up Against the Fourth Wall, John Lahr, que é um defensor entusiasta
do teatro novo, descreve um trecho das atividades da noite: “O tema é a nova
autoconsciência em relação ao corpo e à libertação dos instintos sexuais. Os
atores em Dionysus são ensaiados até atingirem um nível acrobático de
representação. Há homens estirados pelo chão enquanto mulheres montam sobre
eles prendendo-lhes os quadris com as pernas. Corpos deslizam por baixo de
pernas, e dorsos nus ondulam em sinuosos renascimentos... A platéia também é
condicionada a sentir novas emoções, pois o palco é envolvente, construído em
três alturas, para permitir que a platéia tenha uma visão da representação em
várias perspectivas. Os artistas podem subir os degraus deste palco, podem
esconder-se ou andar livremente. O Performance Group, de Schechner, pretende
ampliar a compreensão da liberdade pela platéia fazendo da expressão teatral
uma aventura física”.
Alguns atores no palco tocam discos, outros tocam tambores. A
platéia é convidada a participar de suas danças e os atores fazem movimentos de
envolvimento amoroso com os espectadores. Em certas ocasiões os atores dizem
frases que se relacionam com suas vidas privadas; fazem até referências a
pessoas na platéia. Na noite em que assisti ao espetáculo houve uma referência
ao grande deus Harold Clurman.
Mas Eurípides não foi de todo omitido nem no tema nem na
fraseologia. Sua mensagem foi invertida de acordo com a ideologia da mocidade
contemporânea. A peça As Bacantes, de Eurípides, dramatiza o conflito entre o
ascetismo repressivo e militante e a licenciosidade dionisíaca. O dramaturgo
grego, como moderador, demonstra as falhas de ambos os extremismos. Os ascetas
tiranizam os sentidos e são, por isso, destrutivos; a paixão dos celebrantes de
Baco cresce até a fúria assassina. Mas os bacantes de Schechner, moças e
rapazes bonitos, saem vitoriosos: banham-se no sangue do ditador e censor e
marcham triunfalmente pela cidade. Sua política é do êxtase.
O Caminho da Abstração
Esses exemplos tão diversos do teatro novo têm uma coisa em comum:
a abstração ou, colocando-se o assunto em forma negativa, o não-realismo. Eles
não espelham a natureza. O caminho da abstração, a fuga ao realismo, nos foi
apresentado para não irmos muito longe no tempo no exemplo dos escritores
teatrais reunidos sob o título de Teatro do Absurdo, inventado na Inglaterra
por Martin Esslin. Talvez esse rótulo seja infeliz, pois designa homens como
Beckett, lonesco, Genet, Pinter, que são muito diferentes entre si.
Esses autores teatrais não devem ser confundidos com o teatro novo
ou de vanguarda; são, apesar de toda a novidade de seu gênero e intenção,
inteiramente tradicionais, isto é, são dramaturgos literários. Se os menciono
no presente contexto é apenas para indicar que seu desvio das técnicas de seus
precursores imediatos serviu para libertar a geração seguinte de atores de um
naturalismo confiante que era a representação da vida como a vemos habitualmente.
Seus dois motes poderiam ser tirados do ator francês Coquelin, que dizia: “Sou
pela natureza e contra o naturalismo”, e de Sartre: “O teatro nada tem a ver
com a realidade, mas com a verdade.”
Se quisermos fazer mais uma generalização sobre os absurdistas
podemos dizer que a verdade por eles percebida é a falsidade das aparências, a
tolice em pressupor que nossas hipóteses racionais revelem a essência da vida.
O que eles vêem é o paradoxo grotesco só ser, tão cômico quanto assustador. Na
peça de Saul Bellow The Last Analysis, a disposição de espírito prevalecente
nesta geração absurdista de teatro é resumida numa frase: “As coisas se
misturam entre o riso e a insanidade.”
Outra forma pela qual os dramaturgos rebeldes da década de 1950
(na sua maioria, a princípio parisienses) influenciaram a geração que
consideramos foi na caracterização dos personagens. Esses já não são
indivíduos, mas sim estados de espírito, idéias, tipos, símbolos, máscaras. A
psicologia foi virtualmente abolida. Não podemos falar dos tipos de Beckett,
por exemplo, como falamos de Hedda Gaber, de Ibsen, de Gaev, de Chekhov. ou de
Otelo. O que toda a nova dramaturgia procura é uma regressão à mais antiga
forma de drama. (Podemos dizer que Édipo é uma psicologia, mas não podemos
dizer que tenha uma psicologia!) A intenção em tais dramas é de projetar
modelos básicos ou estruturas de vivência humana. Por isso os dramas são
parábolas ou mitos.
Isto explica, de certo modo, uma outra característica do teatro
novo. Os atores mudam freqüentemente de papel de uma para outra representação e
às vezes até na mesma representação. Estão habituados a desenvolver um trabalho
específico. O que fazem fisicamente e o que dizem (se é que dizem alguma coisa)
é o que constitui a sua caracterização. As nuances e as sutilezas individuais
quase não têm importância: a função do tipo dentro do esquema geral de ação é o
que conta. Mas há, geralmente, muito pouca diferença na representação e nas
apresentações do teatro novo. Geralmente bastam a energia e a vontade do ator
de se submeter às exigências do papel com entusiasmo e coragem.
Grotowski:Uivos e Gemidos
Existem artistas talentosos entre os lideres dos grupos de teatro
novo, mas, até agora, só um gênio: Jerzy Grotowski, fundador e diretor do
Teatro Polonês de Laboratório. Ele é o às da escola, não só por sua
originalidade, como também pela oportunidade que lhe foi concedida pelo seu
governo, que lhe permitiu montar um laboratório onde os atores podem ser
treinados num árduo sistema para formar uma companhia com garantia de trabalho
permanente.
Grotowski dispensa cenário e figurinos naturalisticamente
identificáveis. Em sua arte não há apelo sensual. Para que haja maior
entrosamento com os atores, o número de espectadores não ultrapassa jamais uma
centena. Em certas ocasiões, a platéia é colocada acima do palco, assistindo ao
espetáculo que se desenrola corno numa arena. O público cerca a ação.
Os textos escolhidos são adaptações de obras famosas, mas as
palavras usadas são mais parecidas com uma cantilena, ou espasmos de paixão do
que com um diálogo comum. O ritmo é tão excitante, que torna difícil a
compreensão até mesmo para quem entende polonês. As modulações vocais criam
efeitos de grunhidos e gemidos, soluços e imprecações. Lembra-nos a escala
musical dodecafônica. Os atores parecem que se atacam uns aos outros em vez de
dialogarem. Rastejam, caem ou são empurrados, carregados de um lado para o
outro, e, no decorrer do furioso processo, são obrigados a posições que
poderiam chamar de acrobáticas ou de ballet, se sua intenção não fosse
totalmente diversa da ginástica ou da dança.
A estranheza da arte de Grotowski não é ditada apenas pela sua
opção por uma forma de expressão. Seu tema é o massacre da inocência. Ele tinha
oito anos de idade quando os nazistas ocuparam seu país; aprendeu muito cedo a
respeito do mundo dos campos de concentração. O que vemos em seu trabalho
abstrato é a tortura da humanidade. Torturados e suas vítimas estão presos ao
mesmo horror, tudo se apresenta igualmente cruel. No inferno de Grotowski
todos são igualmente inocentes e culpados. Sem moralizar ou fazer sermão, o
espetáculo sugere a purificação pelo martírio.
Em vista disso podemos entender por que o sistema de Grotowski
obriga o ator a uma disciplina, tanto física como vocal, extremamente
extenuante. As demonstrações de virtuosismo, ou aquilo que nos parecem
contorções fantásticas, são experiências nunca antes tentadas no teatro. Foram
escolhidas como uma maneira de libertar o ator de sua falsa situação, de todas
as inibições e falsidades, de todas as reticências e evasões impostas pela
sociedade e que não lhe permitem mostrar a verdade do seu mundo interior.
Quando o ator consegue fazer isto, segundo reza a teoria, até nós mesmos nos
sentimos transfigurados.
Muitos de nossos diretores novos foram grandemente influenciados
pelas aulas de Grotowski a que assistiram na Polônia, na França ou em Nova
lorque. Mas esta influência, é preciso que se diga, é mais técnica do que
substancial.
O contexto da arte de Grotowski não pode ser transmissível, não dá
margem a duplicações.
O Teatro Vivo
O Teatro Vivo (agora morto) é o mais conhecido e notório de todos
os grupos de vanguarda dos Estados Unidos. Teve seu início em Nova Torque, como
organização dedicada aos novos autores teatrais. Depois de passar pela Europa,
o grupo alterou seus métodos e objetivos artísticos, em parte devido à
influência do modelo de Grotowski. Suas apresentações impressionavam e
escandalizaram muitos. Quando voltou aos Estados Unidos, o Teatro Vivo
desencadeou uma considerável controvérsia e teve seus admiradores e seguidores
fervorosos.
Alguns elementos das primeiras produções do Teatro Vivo das peças
de Jack Gelber, The Connection, e de Kenneth Brown, The Brig, foram ampliados
em sua fase européia. A despeito de seus toques pós-pirandelianos, The
Connection não era essencialmente um teatro novo. Sua forma era naturalista,
mas seus efeitos semipoéticos. O tema da peça era o vício dos entorpecentes,
trazendo à luz os sintomas traumáticos do complexo social da década de 1950. Os
personagens da peça aguardam a ligação, a pessoa que lhes entregará a heroína,
que é o seu modo de fugir ao desencanto da realidade do dia-a-dia. O que somos
levados a sentir era a necessidade deles se ligarem a alguma coisa diferente da
nossa normalidade. Era uma busca de alguma espécie de liberdade interior.
The Brig foi quase um documentário. Na descrição do tratamento
brutal dos encarcerados num agrupamento de prisioneiros do Corpo de Fuzileiros
Navais, podia-se notar um símbolo da destruição deliberada do moral humano
pelo longo -braço oficial do detestado Sistema. Em Frankenstein, a mais
coerente das últimas produções do Teatro Vivo, vemos o homem estripado e
esquartejado, em seguida remodelado como um gigantesco robô. A visualização de
ambas as operações foi brilhante. Essas imagens cênicas davam corpo às várias
manifestações de protesto do Teatro Vivo, caricaturas, canções, apelos, direto
ao público, incitação à ação de rebeldia.
Mas., embora muitas das técnicas de Brecht e Grotowski tivessem
sido usadas, o Teatro Vivo fez muito pouca coisa com verdadeiro talento. Seu
modo de pensar era ainda mais amorfo. Enquanto a Companhia invocava um mundo
onde o homem pudesse ser livre e amoroso, a atmosfera de suas representações
era em si hostil. Quase não havia alegria nem em suas apresentações nem na
receptividade da platéia.
Contudo a sinceridade evidente no fanatismo do grupo que vivia o
que pregava impunha certo respeito. Sua maior contribuição foi fora do âmbito
teatral. Devemos-lhe creditar isto, quando nosso teatro é preponderantemente
banal e complacente. “O essencial nesta época de pobreza moral é criar com
entusiasmo”, disse Picasso.
O Uso do Ritual
Outro grupo notável é o Teatro Aberto, que obteve elogios e chamou
a atenção por sua apresentação da obra de Jean-Claude van Itallie, América,
Hurrah!, uma peça em três partes. Os dois primeiros episódios relembram o
expressionismo da década de 1920, enquanto que o episódio final, Motel, se deslocou
até o limiar do teatro novo. A representação, porém, de The Serpent, dessa
mesma organização, pode ser colocada nessa categoria. Na verdade, The Serpent,
dirigida por Joseph Chaikin e Robert Sklar, com cenário de Jean-Claude Van
Itaílie, é talvez a melhor peça que o teatro de vanguarda já produziu nos
Estados Unidos. Sua fonte estética é Grotowski; seu tom é levemente humorístico
e liricamente meditativo.
The Serpent mostra Eva nascendo da costela de Adão, sua
subseqüente tentação pela serpente e sua sedução de Adão. Segue por uma
copulação em massa, moderadamente sugerida com o acompanhamento do termo
bíblico que a gerou entoado por duas vozes femininas. Como conclusão, os
participantes (toda a humanidade) emitem gemidos de agonia: o sexo não é só o prazer!
Há uma pantomima a admirável sobre o assassinato de Abel por Caim. A peça
termina com toda a companhia cantarolando “Navegamos por uma baía enluarada”, e
depois os atores vêm sentar-se na platéia como que meditando sobre o profundo
mistério de tudo isso.
Não há figurinos e os atores se apresentam descalços e em trajes
comuns de trabalho. O som é percussivo ou semelhante ao som da flauta. Há a
musica da vida animal e vegetal em seus estágios de fecundação. Os atores
concorrem, também, com balidos, relinchos e mugidos. Em certo momento vê-se a.
ser:
pente em uma árvore balouçante (formada pelos corpos dos atores)
carregada de cintilantes maçãs vermelhas: uma imagem encantadora.
Um dos aspectos de The Serpent merece atenção especial por ser
representativo de uma tendência específica do teatro novo, seu caminho em
direção ao ritual. O ritual nasce de uma lembrança conjunta do passado ou de
uma prática tribal já aceita. A escolha do livro do Gênese como um arcabouço
para The Serpent foi muito feliz, já que todos conhecemos a estória. Porém,
muitos dos atuais esforços teatrais para atingir uma condição ritualista
fracassaram por não se basearem num campo comum onde as multidões de nossos
compatriotas sintam suas raízes.
Grupos de métodos mais eruptivos e violentos do que o Teatro
Aberto fazem produções esporádicas. Seus nomes — como o Teatro de Guerrilha já
sugerem sua natureza. O Teatro da Coragem, dirigido por Henrique Vargas,
dedica-se especificamente às populações de Harlen oriental e dos guetos,
principalmente porto-riquenhos. Os alvos desses teatros é mais diretamente
político-social do que o Teatro Aberto.
Há o projeto Manhattan (de diplomados pelo programa teatral da
Universidade de Nova Torque). Sua apresentação de Alice in Wonderland revela o
diretor André Gregory como um artista de teatro sincero e capaz, cujo trabalho
junto a Grotowski ajudou-o a estimular a coragem física e a agilidade dos
atores de sua companhia, às vezes com resultados atrevidos. No entanto,
descobri que a ferocidade de Grotowski aplicada às páginas da grande obra de
Carrol, com exceção de alguns instantes divertidos, fracassou em seu intento de
alcançar um principio satisfatoriamente estético. Mas houve na representação
uma promessa do que a companhia poderá realizar, com sua exuberante energia, em
uma ocasião futura, se dispuser de material mais adequado ao seu talento.
Happenings e Slogans
O limite extremo atingido pelo teatro foi o happening. Estendeu-se
de tal forma, que ampliou o significado de teatro até sua extinção. (lonesco já
se referiu à sua obra como sendo o antiteatro, mas é uma espécie de brincadeira
para chamar a atenção. Suas peças são legítimas). Os happenings são realizados
nas ruas, nos parques, nos subways, em qualquer lugar onde os espectadores
possam ser levados a reagir espontaneamente.
Em seu livro Public Domam Richar Schechner descreve um parte de um
happening de dois dias concebidos por Allan Kaprow, um dos líderes desses
experimentos: uma jovem está pendurada de cabeça pra baixo numa árvore. Ela é
uma de cinco pessoas penduradas em cordas, em vários dos bosques rurais de Nova
Jérsei. De lugares distantes da úmida outras pessoas, batedores, começam a
chamar pelo nome as cinco pessoas penduradas nas árvores. Quando o nome é
gritado, quem está sendo chamado responde “Aqui!”. Orientados pelos sons, os
batedores se dirigem aos que estão dependurados e começam a lhes rasgar as
roupas. O happening é um jogo, uma loucura divertida ou irritante, e não um
acontecimento propriamente artístico.
As várias inovações da prática teatral narrada nesta descrição
estimularam o aparecimento de um corpo de peças levadas a cena não só em
teatros da categoria dos da Broadway, como também em menores e menos
importantes. Muitas dessas peças apareceram pela primeira vez no pequeno Café
Chino, no West Vilíage, e depois nas empresas La Mama, sempre em expansão. A
lista e a fama relativa dessas peças e desses dramaturgos tornaram-se
importantes. Os mais preeminentes são Sam Shepard, Paul Foster. John Guare.
Megan Terrv. Israel Horovitz, Leonard Melfi, Lanford Wilson, Terence McNally.
Não inclui aqui o nome de LeRoi Jones, apesar de sua peça Síave Shipe ser mais
um quadro teatral ou uma pantomima do que um drama escrito, sendo por isso uma
produção na linha do teatro novo. LeRoi é um escritor de talento que se inspira
na maré da conscientização da raça negra, que está desencadeando o processo de
produção de peças as mais significativas.
Mas isto escapa ao tema que estamos desenvolvendo. Nem Edward
Albee deve ser mencionado na companhia dos autores citados. Sua obra está
marcada pela influência de Ionesco, Beckett e Pinter. Alguns dos autores que
acabamos de mencionar revelam o efeito que ele teve sobre eles.
Um dos traços comuns dos filhos de Lama Mama é sua dificuldade ou
incapacidade para escrever peças longas. Não há nada de essencialmente inferior
nas peças de ato único em comparação com as formas mais extensas de drama.
Vale, porém, a pena especular sobre os motivos por que esses jovens dramaturgos
parecem sofrer de uma inspiração de curta duração. Suas obras, geralmente,
parecem surgir de uma introvisão momentânea, de conceitos inteligentes, de
inclinações, de brincadeiras e de tendências que raramente são suscetíveis de
desenvolvimento. São uma espécie de relâmpago em vez de sementes de idéias
fecundas. Ilustram estados de espírito, não constroem situações. (Um inválido
preso à sua cama está numa situação ou condição que se pode tornar dramática se
tentar fugir dela).
A inspiração inicial de tais peças é quase sempre provocante, mas
seus atores demonstram pouca capacidade de raciocínio prolongado, seguindo de
um exame das conseqüências. Suas peças se assemelham, por isso, a slogans
brilhantes e não têm sentido global. No entanto seria errado ignorar esses
autores só por serem imaturos. O que os motiva é importante e é o ponto
fundamental de todo o fenômeno do teatro novo. um protesto contra a civilização
contemporânea, contra o que consideram como podridão do estado sindicalista,
contra os efeitos letais da sociedade de consumo.
Os Novos Bárbaros
Assim, “despreze-se” e zombe deles, zombe deles e despreze-os; o
pensamento é que dançam os novos dramaturgos. É a canção dos companheiros de
Calibam em The Tempest. É bárbara. Os bárbaros são ameaçadores, causam
confusão. Mas são, também, conhecidos por terem erradicado a decadência das
sociedades doentes. Suas depredações podem abrir caminho para a criação. Às
vezes, do caos surge a ordem.
Nossos bárbaros são, contudo, amaldiçoados pelos pecados dos pais.
Freqüentemente são repelentes; seus gritos são, em linhas gerais, ecos do vil
clamor contra o qual protestam. Eles herdaram muitas das doenças que desejam
curar. Suas extravagâncias e brincadeiras teatrais são sintomas das moléstias
que denunciam. Seu raciocínio é simplista, e quase adolescente. No entanto
nossa própria saúde depende de os compreendermos.
Para o espectador rotineiro, o teatro novo evoca a imagem chocante
de corpos nus e som contundente de obscenidades gritadas. Mas numa época em que
todos os valores antigos se tornaram vazios e tudo o que era sagrado deixou de
ser respeitado, o corpo é a única verdade irreversível. Não há segredos
vergonhosos na nudez. Ela é um símbolo da liberdade. A nudez, a obscenidade,
até mesmo a pornografia são exultantes gritos de guerra contra a falsidade da
sociedade. A mocidade e seus porta-vozes no teatro preferem o absurdo ao bom
senso.
Há uma grande dose de desengano e de falta de sentido em tudo
isso. Os urros vulgares de liberdade são, em sua maioria, apenas o chocalhar
das correntes. Apesar de todo seu entusiasmo pelo movimento do teatro novo,
Richard Schechner admite, em seu livro Public Domam: “Quando largamos as
amarras e nos é dada a oportunidade de nos expressar, verificamos que temos
muito pouco a dizer”. Outro perigo para o que é válido no teatro novo, e
particularmente no seu componente norte-americano, é sua absorção pelo comércio
e pelos quadrados a que querem a qualquer preço provar a si mesmos que estão
dentro da moda e na onda.
O ímpeto que tem impelido o teatro novo não diminuirá mesmo que
provoque um revide. O que provavelmente acontecerá, e que já começou a
acontecer, é a assimilação pelo teatro popular de algumas dessas novas
técnicas. O que é Hair, senão um fabuloso sucesso do ritual do teatro de rock
and roll?
Peter Brook é o homem que mais proveito tirou dessa revolução do
pensamento e da prática teatral. Homem culto galvanizado por Grotowski com uma
compreensão de Beckett e Genet, e juntamente com uma profunda devoção a
Shakespeare, ele foi muito receptivo às mais penetrantes injeções da agulha da
vanguarda. Em Marat-Sade, de Peter Weiss, e em Midsummer Night’s Dream
(produzida em Stratford-on-Avon) Brook transformou parte do veneno da nova
farmacopéia num remédio vitalizante. Deu nova vida ao palco inglês e seu
exemplo, sem dúvida, ajudará outros em novas explorações.
Mudança e Continuidade
Em suma, o teatro novo tem, tanto em sua fase negativa como na
positiva, implicações sociais imediatas. Não é, como alguns acreditam, uma
fanfarronada ofensiva e frívola, uma autopromoção de rufiões estetas, mas sim
um espelho onde se reflete um mundo conturbado que atravessa uma fase perigosa.
Esteticamente o teatro novo aumentou e enriqueceu o vocabulário do jargão
teatral numa época em que muitos afirmavam que só o cinema tinha o poder de
influenciar.
Cada geração tem um modo específico de vivência, pois o mundo está
sempre em um processo de mudança; e cada indivíduo de personalidade marcante dá
origem a urna variação especial no tema de sua época, muitas vezes em
contradição com esta. Por isso a arte, que é o mais universal dos meios de
comunicação humana, está sempre mudando. Mas, enquanto o homem continuar a ser
homem, suas necessidades essenciais permanecerão inalteradas. Continuará
buscando a saúde do espírito e do corpo, e a sentir a sede de compreender .seu
relacionamento com os outros homens, além de sua dependência a tudo o mais a
que deve o seu ser. O julgamento de assuntos artísticos deve, forçosamente,
procurar essas nascentes da alma humana. A biologia e a moral são uma
continuidade.
Se fosse desafiado a identificar o cerne do movimento do teatro
novo mencionaria que é o reflexo do desvio (ou alienação) da sociedade
contemporânea e, sob certos aspectos, sua. resposta desafiadora. No primeiro
caso é amargurado e no ‘segundo é rudemente lírico. Em vista de nos termos
tornado desconfiados, de tantas palavras agora empregadas para nos trair e
confundir, o movimento tem tendências antiliterárias. A ação fala mais do que
as palavras, especialmente para os jovens. E o teatro, como já afirmaram deve começar
por uma representação fundamental, a ação.
O que quer que pensemos desses argumentos estéticos ou técnicos,
devemos contudo valorizar as contribuições individuais em todas as
manifestações artísticas com referência ao grau de integridade, força, amplidão
e profundidade que encontremos nelas, isto é, no limite em que satisfaçam
nossos apetites e anseios humanos. Tudo o mais é convencionalismo, e as
racionalizações aplicadas, independentemente de sua altissonância ou assombro,
são fraudulentas.
TEATRO
PARA CRIANÇAS
CATHERINE
DASTÉ
TRAD. MICHELE BLANC
Os espetáculos para crianças apresentados atualmente por Catherine Dasté, filha
de Jean Dasté, são os resultados de dez anos de esforços e de busca. Tendo
constatado, por um lado a intolerável banalidade, a miséria estética e
intelectual do que existe nesse campo, por outro lado sonhando com um teatro
que salvaguardaria os prestígios da imaginação e as virtudes da poesia, sem
cair num moralismo edificante, Catherine Dasté começou, em 1959, com seus
amigos, os atores Jean Marie Lancelot e Graeme Allwhigth e com a ajuda do
educador Michel Small, uma experiência de criação teatral a partir de estórias
ou de elementos narrativos inventados por crianças. Os primeiros resultados
foram bastante convincentes para levá-la a continuar nesse caminho original
onde, após muitas buscas essencialmente empíricas ela descobriu uma fórmula de
espetáculos imaginados por crianças, porém, encenados e levados por atores
profissionais.
Catherine Dasté nos explica as diferentes etapas dessa apaixonante
experiência e ela nos mostra seus aspectos benéficos tanto no plano pedagógico
quanto ao plano teatral.
Para mim o interesse desse trabalho se situa em dois planos que me
parecem ter igual importância; o plano pedagógico e o plano teatral.
O Plano
Pedagógico
A presença de uma pessoa estranha à classe, vinda de fora,
introduz um elemento de novidade que é muitas vezes favorável. No início as
crianças ficam um pouco intimidadas mas basta que uma ou duas comecem a falar,
a contar uma estória, mesmo sendo uma estória muito curta, para que pouco a
pouco as outras comecem também a falar. O simples fato de se exprimir, de
contar alto, diante de um auditório exigente, uma estória que deve ser ouvida e
entendida já é, por si, um excelente exercício.
Algumas crianças que apresentam grandes dificuldades de elocução
fazem, com isso, progressos notáveis.
As primeiras estórias contadas são, na maioria das vezes,
inspiradas de estórias já conhecidas. Mas quando as crianças compreendem bem o
que lhes é pedido e compreendem que elas não devem nem podem enganar, elas
começam a contar estórias realmente inventadas por elas. Muitas vezes, de um
modo significativo, elas revelam uma preocupação profunda, um problema
familiar. Assim certos temas são retomados regularmente por algumas crianças:
Alcoolismo do pai ou da mãe e o sofrimento da criança; importância do pai e
mãe; misoginia; ciúmes em relação ao irmãozinho, etc.
Penso que o fato de exteriorizar essas obsessões sob a forma de
fábulas deve ser benéfico para as crianças. É por isso que eu sempre me esforço
por deixá-los falar, mesmo se a estória não apresenta um interesse para mim no
plano teatral o que acontece freqüentemente. É preciso ouvir dezenas de
estórias antes de ouvir uma que poderá servir de ponto de partida para uma encenação.
Mesmo quando encontramos uma criança particularmente dotada e cheia de
imaginação, como foi o caso no ano passado em “Menilmontant” é preciso fazer um
esforço para não lhe dar um lugar de destaque mas deixar os outros, os tímidos,
os ciumentos, os infelizes, falar tanto quanto ele.
Algumas vezes, após três meses de silêncio, de repente uma criança
começará a falar e a se exprimir. Muitas vezes isso corresponderá também a um
desabrochar da criança no plano escolar e humano.
Uma coisa que é provavelmente muito conhecida dos psicólogos mas
que eu descobri experimentalmente é que há vários níveis de invenção.
Há, em primeiro lugar a estória que é quase a reprodução de um
desenho animado, de um filme, de um programa de televisão, etc. (Muitas vezes
as crianças nem têm consciência disso).
Depois vem a estória inventada, mas cujos elementos são inspirados
por coisas vistas ou ouvidas.
Vem em seguida um nível onde a invenção se situa mais
profundamente e é nesse nível que a expressão se torna apaixonante. Esta forma
de invenção, a mais autêntica e a mais rara, exige certas condições
particulares: um ambiente de calma, de concentração, de intimidade mais ela
também é ligada a outras condições, eminentemente frágeis, imprevisíveis,
instáveis: o tempo, as nuvens, a luz... Acontece então que as crianças entram
numa espécie de transe e contam como se outra pessoa, dentro delas, contasse no
seu lugar.
Esses momentos são raros, bastante extraordinários e tocantes.
Na maioria das vezes a invenção se desenvolve nesses três níveis.
Alguns trechos parecem ser puramente plágios, outros são contos engraçados e
ridículos inspirados nos desenhos animados americanos, mas com uma fantasia
particular, e de repente surge uma idéia, uma imagem inesperada, surpreendente.
Depois de algumas vezes, as crianças entendem o que eu quero dizer quando lhes
peço para realmente inventar e elas tomam consciência dessa possibilidade,
desse dom; elas aprendem a reconhecer nos outros a autenticidade da invenção.
Isso me parece ser uma vantagem pedagógica das mais importantes. Deploramos
cada vez mais os efeitos nocivos do excesso de televisão para as crianças e é
certo que a influência da televisão j considerável, que ela favorece urna
grande passividade e condiciona os espíritos de um modo ainda pouco conhecido.
Ora tudo o que pode favorecer a iniciativa, a invenção pessoal e um certo
espírito crítico me parece não somente benéfico, mas absolutamente
indispensável.
Esse trabalho também traz, para o conhecimento psicológico das
crianças, elementos que poderão ser úteis para maiores informações sobre as
difereiftes formas de imaginação das crianças segundo o sexo, a idade, o meio
(meio social., meio geográfico, etc.). Enfim, um dos aspectos essenciais da
experiência é, para mim, o contato com os professores. Eu não poderia realizar
esse trabalho sem a sua compreensão e colaboração. Há uma troca de pontos de
vista e de experiência comuns que me parecem muito proveitosas.
O Plano
Teatral
No plano do teatro estou cada vez mais convencida do valor
deste método de criação de espetáculos para crianças. Reconheço o interesse da
adaptação de contos antigos de diferentes países os quais possuem muitas vezes
um ensinamento rico e precioso e cujo encanto está sempre presente. Existem
também excelentes peças para crianças escritas por dramaturgos e poetas
contemporâneos. Mas, muitas vezes, os autores adultos têm uma preocupação de
moralismo que, a meu ver, estraga muitas peças. Preocupação de moralismo, de
ensino de educação que é compatível com o teatro (como eu o entendo). O teatro
não é uma tribuna ;se, em alguns casos, esta noção de um teatro edificante pode
ser admitido para adultos, ela nunca se justifica para cranças. Por que então o
teatro, renunciando ao seu papel, torna-se um auxiliar de tudo aquilo que ajuda
a “domesticar” a criança, fazendo dela um cidadão maleável e dócil.
A meu ver, pelo contrário, o papel do teatro deve ser de
preservar, de desenvolver a parte mais preciosa, a mais frágil, a mais profunda
de cada homem. Desenvolver sua originalidade própria, sua imaginação, aquilo
que lhe é particular e o faz diferente dos outros, que o torna cada vez mais
ele mesmo. O teatro só poderá realizar esse papel na medida em que criar obras
de “poetas”. É por isso que eu acredito no teatro inventado por crianças;
porque as crianças são mil vezes mais poetas do que nós.
Parece-me também que na época atual em que os valores morais,
estéticos e religiosos da cultura ocidental são constantemente questionados,
existe uma maneira de interrogar o homem sem nenhuma idéia pré-concebida,
atenta para tentar discernir alguns indícios que podem trazer-nos informações
preciosas. Ao invés de impor às crianças nossa moral, nossa concepção de vida,
de lhes ensinar como queria num recente congresso de teatro para crianças uma
representante dos Estados Unidos — “The Biterness of Things” (o amargor das
coisas da vida) devemos ouvi-las: talvez elas é que tenham coisas a nos
ensinar, elas que ainda não foram contaminadas. Acredito que os espetáculos
realizados segundo os cenários e costumes criados pelas crianças podem trazer
um elemento novo, não somente como espetáculo para criança mas também como
forma nova de teatro. Com efeito, o teatro procura novos caminhos, hesita entre
diversas fórmulas: o teatro documento (Le dossier Oppenheimer, L’Instrution) o
novo teatro de revista acrescido de alguns temas do teatro do absurdo e as
buscas inspiradas do teatro de Artaud e do teatro oriental (Orotowsky), etc.
Ora, um espetáculo concebido por crianças, na medida em que ele não é traído
pela adaptação no palco nem pelo desempenho dos atores é, de forma espontânea,
“a festa”. Nele encontramos algo que havíamos perdido, algo que existia nas
grandes épocas do teatro; na Grécia Antiga, na Idade Média, na época
Elisabetana. Algo que havíamos perdido e cuja falta é cruelmente sentida. As
festas de hoje, cada vez mais comercializadas, são tristes. No entanto a festa,
que é uma forma de rompimento com o habitual e o cotidiano, que nos faz sentir
mais intensamente a plenitude e a violência dá vida nos é necessária. Ainda
mais necessária num mundo no qual, todos os dias, a vida se organiza de um modo
cada vez mais frio e monótono, um mundo cada vez mais marcado pelo tédio.
PARA BEM EXECUTAR JOGOS DRAMÁTICOS
"O valor cultural do jogo dramático reside sobretudo num
esforço de criação"
CHARLES ANTONETTI
TODO O TRABALHO DE CRIAÇÃO É SEU
O que apresentamos são esquemas apenas. Trampolins para que a
imaginação possa saltar para uma verdadeira criação poética. As modificações e
mesmo o que for acrescentado será a marca da equipe que as utilizar.
Assim é que deixamos, propositalmente de lado anotações sobre
vestuários e acessórios. Se nos contentarmos em reproduzir uma ação igualzinha
a descrita a seguir, não haverá enriquecimento. É preciso que cheguemos a uma
conclusão: cultivar-se é também dar um pouco de si mesmo.
UMA PROGRESSÃO METÓDICA É NECESSÁRIA
Os jogos estão classificados numa progressão precisa. No
Arqueiro, por exemplo trata-se mais de manipulação do arco, das flechas, da
espada, do que da manifestação de sentimentos. Já nos demais, o sentimento
assume maior importância, e devem ser criados não numa mímica decalcada da
realidade, mas por uma recriação por parte do ator das sensações que objetos
reais poderiam provocar.
CRISE DE NERVOS OU CONTROLE
O jogo dramático é antes de tudo uma escola de sinceridade.
Trata-se, evidentemente não de demonstrar, mas sim, de experimentar no fundo de
si mesmo o sentimento pedido, sem se incomodar com estilo algum preconcebido.
Somente um ser particularmente sensível é capaz de uma tal sinceridade.
Geralmente é ainda uma presa do sentimento. Seu trabalho parecerá mais uma
crise de nervos, com todo esse involuntário despudor, com todo esse cortejo de
choques físicos, cujas ressonâncias são tão difíceis de avaliar. Portanto, não
basta despertar o sentimento. É preciso dirigi-lo e dominá-lo. Sinceridade e
controle do sentimento são dois aspectos essencialmente educativos do jogo
dramático. E a eles chegaremos através de certas disciplinas impostas que
tentarei descrever e que são também métodos de educação.
EDUCAÇÃO DOS SENTIDOS
Imaginemos uma rodela de limão colocada sobre a língua.
Obteremos uma reação gustativa. Fácil é demonstrar que todos os outros sentidos
podem também funcionar pela imaginação. O aluno que pela imaginação faz
sinceramente a força necessária capaz de remover uma pedra pesada, penetra numa
zona poética que até então lhe era interdita. Descobre um mundo novo. E será
uma exploração que não terá mais fim, pois o vento, o oceano e o céu irão nos
pertencer. O Universo será nosso.
EDUCAÇÃO DO AFETO
O treino desses jogos sensoriais enriquece principalmente o
gesto de uma tal maneira que o objeto imaginário, cujo peso e a forma o ator
sente, adquire maior realidade que um objeto verdadeiro. O gesto torna-se
criador por que o espectador vê o objeto (evidentemente isto não exclui que o
objeto real pode ter o seu valor) De mais a mais todo choque sensorial, mesmo
imaginário, ecoa no domínio efetivo e constitui um exercício inconsciente da
educação do afeto. Assim é que num determinado instante aparece, no aluno, o
domínio do sentimento. Pode-se então viver uma situação e nasce daí, o drama.
POESIA EM PRIMEIRO LUGAR
Os temas, na maioria das vezes, partem de uma base concreta
para atingir o clima poético, local onde a razão matemática não penetra nunca.
Espero que sirvam para descobrir a existência de uma verdade e de um alimento
poético tão necessários ao homem quanto a verdade racional e o alimento
material.
TRÊS ASPECTOS DE UM ÚNICO PROBLEMA
Pode-se perceber através dessas pequenas notas um esboço de
um método perfeito para a educação do corpo, dos sentidos e da alma. Eis a
finalidade imediata do jogo dramático. Mas, além dessa finalidade, aparecem
outras possibilidades. Os jogos estudados em laboratório, tornam-se elementos
de espetáculos que podem muito bem tomar o lugar de esquetes ou outras tolices
que comumente se usam em reuniões escolares. E, indo mais longe ainda, pode-se
adivinhar o nascimento de uma arte dramática propriamente popular, arte viva e
espontânea, praticada por pessoas de todas as condições, para pessoas de todas
as condições. E poderemos nós prever no momento as ressonâncias de tal arte, no
destino do próprio teatro?
CONTRA OS MÉTODOS CADUCOS
A técnica expressa aqui de maneira tão sumária, opõe-se
radicalmente àquelas empregadas habitualmente pelos educadores que utilizam o
jogo dramático, orientados ora para a simulação, ora para a “crise de nervos”.
O ARQUEIRO
Vigília do soldado (passeia de um lado para o outro).
Olha, pela primeira vez, ao longe. Não vê nada Contínua.
Olha pela segunda vez. Idem.
Olha pela terceira vez. Percebe, ainda bem longe, o soIdado
inimigo.
Depois um segundo soldado.
Depois um terceiro.
Recua lentamente sem perder os soldados de vista. Procura o arco,
atrás dele, sem se voltar.
Pega o arco. Passa-o de sua mão para outra com lentidão, Tira uma
flecha. Arma o arco. Visa cuidadosamente e atira.
Constata com satisfação o resultado.
Atira uma segunda vez.
Atira acelerado.
O tiro acelerado dura 30 a 40 segundos
Aproxima-se da muralha e continua e atirar com vontade.
O inimigo se aproxima.
O arqueiro visa cada vez mais em direção a terra.
Visa verticalmente, inclinado sobre a muralha.
Recebe uma flechada no ombro esquerdo. Pára.
Lentamente vai se dando conta do ferimento.
Arranca a flecha lentamente.
Depois toma coragem e continua atirando.
O inimigo fez uma escada.
O arqueiro recua, tira a espada e põe-se a esperar.
Abate um primeiro soldado.
Depois um segundo soldado.
Um terceiro consegue supera-lo. Combate com o inimigo situado em
posição mais alta que ele.
Mata esse inimigo.
Toma de uma grande pedra e atirá-a sobre quem está subindo.
Consegue pegar na parte alta da escada, atirando-a ao chão.
Triunfo.
Põe-se de novo a atirar sobre o inimigo em debandada.
Recebe uma flechada no peito, em plena ação no momento em que vai
armar o arco.
Mesma coisa quando da primeira vez que foi ferido. Mas agora.
morre.
O TESOURO DA FLORESTA
(Inspirado numa novela de H. G. Wells)
Marinheiros a bordo. Alto mar.
Postos de comando. Desembarque em Singapura. Contato com os
nativos.
A estrada que vai dar na cidade.
Acordeon aumentando pouco a pouco.
Botequim (acordeon fazendo o fundo sonoro).
A marinheirada se acotovela no bar.
Dois aventureiros numa mesa falam do tesouro. Comentam o plano que
tem.O tesouro está bem escondido (risos).
Dois marinheiros ouvem e se entreolham.
Partida dos dois aventureiros, seguidos pelos dois marinheiros.
Roubo e assassínio dos aventureiros. Escondem os cadáveres.
Barco, pás, enxadas.
Viagem.
Desembarque. A floresta. A busca.
Cansaço, cipós, troncos de árvores, etc... Encontram o local do
tesouro.
Clareira: Ah! um buraco.
No buraco uma ossada. Tiram-na. Ferem-se com os espinhos.
Vêem o cofre.
Trabalho para arrancá-lo. Ferem-se novamente.
Este lugar é cheio de espinhos.
Vão se enfraquecendo lentamente.
Conseguem tirar o cofre.
Abrem o cofre. Estão cada vez mais fracos.
Morrem em cima do cofre, com as mãos cheias de ouro.
POR DE TRÁS DO MURO
O solitário lê em voz alta, passeando da esquerda para a direita.
Gesticula. A doçura vitoriosa da cólera é um desejo insaciável de desonras e
humilhações assim como a vaidade é um desejo inesgotável de honra e louvores. A
cólera é uma paixão vingativa que nos faz desejar aflições e penas àqueles que
nos aborreceram. A pronta e violenta emoção da biles é uma inflamação do
coração, que se excita e se acaba num momento. O furor é um transporte
passageiro que perturba todos os poderes da alma, tornando-a monstruosa e
disforme. Acorrentemos pois a cólera com as cadeias da doçura, como se
estivéssemos acorrentando um monstro furioso.
Durante o discurso, o engraçadinho entra. Observa o solitário por
de trás do muro imaginário, caçoa, atira pedras, hesitando muito antes de
jogá-la.
Atira uma pedra. Reação do solitário.
O solitário procura saber de onde veio a pedra. O outro se
escondeu.
Segunda pedra.
Nova reação do solitário que vai pouco a pouco aumentando o estado
raivoso.
A história recomeça várias vezes até que o solitário
Fique realmente com raiva
O solitário por sua vez vai até o muro, briga com o engraçadinho
que caçoa dele, afirmando nada ter feito.
O engraçadinho, sai rindo.
O solitário, espumando de raiva, vai se acalmando pouco a pouco.
Entra o segundo solitário, que admoesta o primeiro.
O primeiro se acalma: sai o segundo.
O engraçadinho volta.
Diálogo entre o engraçadinho e o solitário, que pede desculpas por
ter se exaltado,
O engraçadinho, afirma mais uma vez sua inocência, e sai.
O solitário volta a ler em silêncio.
O engraçadinho volta, começa a atirar pedras enquanto que o
solitário põe-se a ler em voz alta, cada vez mais forte, estóico, sob uma chuva
de pedras.
A
EVOLUÇÃO DO CENÁRIO
Da Cenografia Teatral
As tendências atuais da cenografia teatral, traduzem, entre os cenógrafos
franceses dos anos 60, uma tomada de consciência do novo papel que pensam
desempenhar na economia geral do espetáculo. Ao mesmo tempo em que certos
encenadores da nova geração, entre os quais citamos Serreau, Planchon e
Steiger, contestavam a função tradicional do teatro, certos cenógrafos,
rompendo com a concepção antiquada da cenografia, definiam, por sua vez, em
termos aparentemente novos, o fim de uma era de sua profissão. Nessa ocasião,
um dos mais representativos e lúcidos cenógrafos escrevia que, o papel do
cenário não consiste apenas em representar lugares determinados em ações
determinadas, e estabelecer entre lugares e ações, as correspondências que os
esclareçam reciprocamente. Para ele o cenário deve também fornecer ao
espetáculo e ao texto, um quadro geral que a situa no seu conjunto e por vezes
a comenta.
Em cinqüenta anos, depois de Rouché, Copeau e Cartel,
manifestou-se uma certa evolução. A maior parte dessa herança pesou na
sensibilidade e no ofício dos cenógrafos, mesmo quando pretendiam de boa fé,
reagir contra ela. Os princípios da base dessa herança foram definidos por
Rouché em “A Arte Teatral Moderna”, editado por volta de 1910. Por outro lado,
a maneira como Copeau e Jouvet modelaram o palco do Vieux Colombier, ainda que
pareça hoje um tanto quanto rígida e abstrata, está na origem dessa voga do
dispositivo mais ou menos funcional, que, qualquer que seja o material, foi
favorecida pelo renascimento do teatro ao ar livre. A influência do
expressionismo alemão e do construtivismo russo agiu com certo atraso e,
através de Piscator e Bertold Brecht, orienta uma parte da cenografia de hoje.
Quando se fala nessa fase, comenta-se sempre que ela vem de 1925, época em que
o expressionismo alemão, conheceu uma fase obscura na França, por causa do
Cartel.
A proliferação de novos materiais, oferece também ao cenógrafo as
possibilidades negadas pela madeira e pela tela, ou as limitações que tais
materiais colocavam. O aperfeiçoamento dos sistemas de iluminação, um melhor
conhecimento das possibilidades da luz elétrica nos espetáculos, levam os
cenógrafos a recorrer a certas simplificações e a evitar certos erros
plásticos. É aqui que a influência difusa de Appia começa a colher os seus
frutos. Por último, as experiências de André Villiers no Teatro de Arena
provaram que uma certa arquitetura tornava supérflua toda a cenografia.
Na análise que fazemos adiante, sobre algumas soluções
cenográficas características, esclarecerá esta argumentação.
Quando Roger Planchon chamou René Alho para executar a cenografia
de sua adaptação das “Almas Mortas”, de Arthur Adamov, tinha antes de tudo, de
traduzir a impressão de espaço que dá a sua dimensão ao poema épico de Gogol.
Agora o problema estava em como dar esse espaço. O teatro, como qualquer
pintura, contentava-se geralmente em sugerir que se podia percorrer tal espaço.
Utilizava para esse efeito, a perspectiva e os telões pintados. É porém mais
difícil tornar sensível esse percurso, podendo recorrer-se, quer a uma sucessão
de imagens fixas, cada qual modificando a situação do espectador, quer à
representação do próprio percurso, operando-se a mudança de lugar, à vista do
espectador e tomando o tempo continuo. O cinema pode perfeitamente utilizar
esses dois recursos, mas no teatro, a representação continua de um
deslocamento, habituados como estamos aos movimentos do cinema, torna a cena
pesada, desajeitada e fora de moda. Além disso, essa ilusão naturalista não
parece ser o objetivo do teatro. Pelo contrário, tal representação sucessiva de
lugares diferentes pode dar o sentimento do espaço percorrido, com a condição
de conservar no fundo, uma imagem indicando essa continuidade, enquanto mudam
as imagens do primeiro plano.
O partido escolhido por Allio, estava assim, realizado. Um
ciclorama dá a noção permanente do infinito. Por cima do cenário central, um
quadro situa esse cenário no conjunto, como os cartões de certos mapas
conhecidos por Atlas. De um lado e de outro do palco evocam-se em volume os
lugares da ação. Enfim, o próprio cenário, lugar da cena representada, tratado
segundo um realismo seletivo, fornece um quadro da ação imediata.
Acrescentando-se a isso projeções de desenhos animados, segundo um processo
análogo às análises cinematográficas de um Alain Resnais explorando Van Gogh
Vê-se que a plástica do cenário não passa senão de um elemento do conjunto.
Isto é formalmente arquiteturado e a variedade de soluções escolhidas, se
arrisca a parecer complexa à primeira vista, porém exprime uma vontade de
síntese entre um realismo literal a Brecht e um simbolismo sutil. Trata-se
evidentemente, menos de um cenário do que uma interpretação da própria obra.
René Alho fez um trabalho idêntico em “A Segunda Surpresa do Amor”, de Marivaux,
não sem provocar verdadeiro escândalo. Tratava-se menos de vestir um espaço
cênico convencional, do que criar o lugar do poema de Gogol e, num sentido, o
próprio poema. Por estes caminhos também andaram Erwin Piscator e Bertold
Brecht.
Uma outra solução típica encontrada entre espetáculos da década de
60, está o “Biedermann e os Incendiários”, de Max Frisch, dirigido por
Jean-Marie Serreau, e com cenografia de André Acquart. Este trabalho foi
encenado em outubro de 1960, no Teatro Lutéce, em Paris. Retomando o essencial
do dispositivo que concebera anteriormente para “Barrage contra le Pacifique”,
adaptado de Marguerite Duras, por Genevieve Serreau e, “Les Nêgres”, de Jean
Genet, a primeira encenada por 3. M. Serreau e a segunda, por Roger Bhin, André
Acquart edifica uma ossatura tubular como um verdadeiro esqueleto, que oferece
vários níveis de representação e cria um espaço aéreo infinitamente mais
plástico do que uma construção em volumes cheios. De espírito expressionista,
mas sem caráter sistemático, esse dispositivo era completado por projeções de
desenhos humorísticos de Siné e de fotografias de um realismo caricatural de
Knapp Elija.
Se René Allio, que tem o gosto do real, como pintor e como
artífice, pende para uma concepção mais concreta, mais palpável, já André
Acquart orienta-se por um sistema abstrato, suporte da fantasia e da poesia, e
quando necessário, se uma realidade paródica. Uma preocupação inspira sua
busca: criar uma estrutura de acordo com o sentido da obra representada, e um
espaço onde o ator esteja ao mesmo tempo livre nos seus movimentos e, comandado
pela organização desse lugar original, que o cenógrafo tem por missão inventar.
Nesse sentido, cria um verdadeiro microcosmos onde a obra gravitará
irresistivelmente.
Os ensaios sugestivos e, sob certos aspectos, experimentais, de
Jacques Polieri levam ao limite esta revolução cenográfica. As manifestações do
FestivaI de Vanguarda, realizado em outubro de 1960, comportavam uma exposição
de cenografias para um espetáculo imaginário, onde pintores e escultores,
libertos da sugestão de uma obra determinada, tinham sido convidados a pensar
no espetáculo em si. Para o jovem teórico Denis Bablet, em artigo escrito
concluía com seguinte frase: “Quando se pensa em termos de teatro, o que fazem
‘na França um Léon Gischia e um René Alho, deixa de ser um cenário para se
tornar um espaço organizado posto à disposição do encenador, do comediante e do
público.”
Na verdade estas duas tendências continuam a manifestar-se, entre
elas se verificam freqüentes interferências. Um Allio ou um Acquart não
trabalham no espaço puro. Na presença de uma obra de Shakespeare ou de Adamov
de Marivaux ou de Genet, é antes de tudo ao conteúdo e ao significado da obra,
que eles se agarram. René Alho, sobretudo, particularmente sensível à
historicidade da obra a ser encenada. Porém outros cenógrafos têm as mesmas
preocupações com um rigor menos concentrado. Jean-Denis Maíclés sempre
desconfiou das ambições puramente decorativas. Jacques Noel, engenhoso
maquinista que colocou Sabbatini na escola de Gúignol, encontra na prática do
camafeu e dás mutações à vista voluntariamente ingênuas, uma maneira muito
teatral de concretizar a fantasia do mimo Marcel Marceau, ou o absurdo de
Eugéne Ionesco. Pode-se, sem dúvida, considerar estes dois cenógrafos como os
melhores herdeiros de urna tradição ilustrada por André Barsacq.
A solidez e a suntuosidade meticulosa da cenografia de Georges
Wakhevitch, qúe não hesita em usar simultaneamente a tela pintada, a
perspectiva, os praticáveis e os volumes num espírito de realismo total, não
participam de nenhuma estética sistemática. Ainda neste caso particular, é
grande o risco de esmagar a obra sob uma decoração parasitária que não sabe
sacrificar o supérfluo.
A relatividade à obra e ao teatro em que será representado, é o
grande princípio. Esta lei é seguida, apesar da diversidade dos temperamentos,
por uma Francine Galhiard-Risler, amável e rigorosa, e por um François Ganeau,
que soube fazer a experiência dos meios pobres. Féhix Labisse, que veio do
surrealismo, ou Lila de Nobihi, respeitam-no com liberdade.
A obrigação em que se encontram ainda os cenógrafos franceses com
relação a trabalhos para cenas de palco italiano, quase sempre vetustos e mal
equipados, condena-os ao empirismo e às semi-soluções. Os mais exigentes
começam por reformar o próprio palco, com grande desespero dos empresários,
suprimem o pano de boca, o proscênio, modificam o sistema de iluminação. Um
grande exemplo’ em São Paulo na atualidade, é a cenografia de José de Anchieta
para o espetáculo de Frank Wedekind, “Lulu”, dirigido por Ademar Guerra,’ em
carreira normal no teatro Anchieta. Porém estas operações prévias, fastidiosas
e dispendiosas, nem sempre corrigem todos os defeitos inerentes a este gênero
de palco, mas permitem trabalhar num lugar com menores limitações, em uma
aparente liberdade.
O desenvolvimento dos espetáculos ao ar livre, cujo quadro também
é desprovido de servidões, tem no entanto, oferecido aos cenógrafos ávidos de
partir da tábua rasa, ocasião de numerosas experiências, não raro limitadas
pela modicidade dos meios financeiros. René Alho por exemplo, fez seus
primeiros ensaios no Festival de Arras, juntamente com André Reybaz. Foi em
Avignon, que Camille Demangeot, herdeiro de Louis Jouvet, aperfeiçoou essa arte
de modelar o relevo do tablado que, transportado por Chaillot, é um dos
componentes do estilo do Teatro Nacional Português. Convém aqui sublinhar a
parte eminente tomada por Léon Gischia, figurinista de gênio, na formação desse
estilo.
Um Yves-Bonnat, agarrado ao cenário em volume, e como ele dizia,
funcional, trabalhou neste caminho da forma como tinha feito antes, André Boli,
percurso notório desta estética na encenação lírica.
Mas nem por isso desapareceu o gosto pelo cenário “decorativo”. Assiste-se
até uma contra ofensiva do cenário puro, aquele de que Jacques Noel dizia com
espírito, ser o ópio do povo.
CENOGRAFIA E DIREÇÃO:
Uma unidade indivisível
Paralelamente à renovação dos métodos de interpretação, da
revalorização do ator e da ênfase dada ao relacionamento ator-espectador,
realizada desde alguns anos na Polônia, por Grotowski e seus colaboradores, o
palco foi, conseqüentemente, atingido por essa transformação. Suas forma ou
formas convencionais foram abandonadas, para deixar lugar ao espaço sagrado da
ação, ao local desse novo rito de transgressão moral que passou a ser a ação
teatral, variando sua forma e posição conforme a exigência do espetáculo ou do
texto escolhido, podendo ser um círculo, um ovo, um quadrado, um corredor entre
os espectadores, assumindo a forma de uma jaula através de cujas grades o
espectador espia a função, às vezes até interpenetrando-se esses espaços
verticais ou horizontais. Também os objetos ou acessórios usados em cena deixam
de ser aquele papel convencional conhecido até hoje para se tornarem elementos
desse espaço-expressão, de que Józef Szajna. Cada época marca com seu sinal a
atividade humana a que serve de moldura. O movimento, que é não só o símbolo
mas a própria essência do presente, afasta cada vez mais rapidamente os modelos
ultrapassados, invalidando as doutrinas estáticas e os cânones rígidos. Na hora
da “explosão tecnológica” e das radicais mudanças sociais que a acompanham,
seria difícil buscar um modelo para o teatro contemporâneo, adaptando os
estilos de outras épocas, cultivando as tradições do passado ao retornar às
antigas correntes estéticas.
As transformações que o afetam em toda sua estrutura, oferecem ao
teatro a oportunidade de ultrapassar os esquemas até agora em vigor, deduzindo
de e um ponto de vista fragmentário aquilo que faz a essência da arte teatral.
O teatro pode acelerar seu processo de evolução, demasiado lenta, a reboque da
de outras disciplinas artísticas, como as artes plásticas e a música. O teatro,
que mudará continuamente, que terá uma função cognitiva, que irá inspirar a
imaginação do espectador, exercerá também uma influência eficaz sobre a visão
que esse espectador terá do mundo.
O TEATRO ABERTO, ligado ao pensamento contemporâneo e evitando o
esteticismo estéril, o teatro da inovação, o teatro total, em que as qualidades
de seu criador, isto é, do realizador penetra a obra dramática, tal teatro é
capaz de uma completa visualização através de um complexo método de integração
de elementos. Cenografia e mise-en-scéne formam uma unidade indivisível, um
todo cujos elementos se completam mutuamente. A construção do espetáculo
consiste em acontecimentos dramáticos imaginados, situações fictícias e
inventadas. O jogo na vida real, seria apenas verossímil.
Objetos participam da Ação
Tudo isso acontece num tempo indeterminado, cujo curso não
tem a menor importância. Trata-se de uma montagem da ação em que um número de
fatos, aparentemente desligados, se unem numa anedota de “sensação”. O
mecanismo está na representação e no movimento de acontecimentos que revelam a
interdependência de personagens e coisas, de objetos e idéias. O jogo das
contradições e dissonâncias é o arsenal e, ao mesmo tempo, a “harmonia”
peculiar dessas produções. O cenário desaparece, e o que vemos é a
representação de imagens compostas e dirigidas com o uso de objetos que
participam da ação e chegam a interferir nela. Perde assim, seu caráter de mera
cenografia, de um fragmento arquitetural, para se tornar a própria matéria do
processo teatral. Torna-se independente das rubricas do autor, ganha um valor
autônomo e se transforma no “espaço de expressão”. Não descreve lugar e tempo
de ação, mas serve-se de um objeto concreto, às vezes preparado, que longe de
ser confeccionado para uso do espetáculo, participa dele de maneira ativa. A
ação de tais espetáculos se passa em espaços vazios ou desertos, abertos, às
vezes num ar-livre fechado, que se estende fora do quadro de uma cena-palco
podendo prolongar-se além do espectador.
A forma arquitetural desse teatro seria a forma de um ovo. O
interior da casca, contra a sua parede, seria o lugar da ação; contornaria o
público, colocado no meio de um pouco abaixo, mas sem qualquer rampa separando
um do Outro. Eliminando a separação física entre palco e platéia, tal
construção criaria uma ligação entre a demonstração da representação e os
espectadores. A evolução dos atores em redor de todo o espaço destinado à ação
permitiria a mudança instantânea do quadro da ação. Projetores ocultos nas
aberturas, especialmente para esse efeito iluminariam não só a cena como a
platéia.
Espaço de Expressão
O teatro que me interessa se define através de uma nova e
diferente observação de vários fenômenos. A emergência dos valores da imagem
com a ação teatral conduz a um conhecimento mais amplo do objeto (entidade
plástica concreta) como um fetiche de nosso tempo. Isso leva, inevitavelmente,
a tornar mais dinâmicos os meios de expressão empregados pelo artista e
desperta uma maior tensão emocional na platéia. Dessa maneira, evitando as
convenções expressionistas e naturalistas, podemos quebrar a barreira das
práticas teatrais até agora usadas e nos libertar da banalidade.
Este é o teatro da forma total.
Sua suscetibilidade de transformação possibilita o uso de qualquer
espaço (por exemplo, um aeroporto em desuso, uma garagem, fábrica ou qualquer
construção facilmente adaptável).
Qualquer objeto, fora de seus limites naturais, pode se tornar um
cenário-símbolo ou uma parte do espaço adaptado. O uso pelo ator de objetos que
são comparsas e que são diferentes inteiramente dum acessório de teatro, está
subordinado à unidade intelectual e formal do espetáculo-manifestação. A
verdade objetiva do objeto é a sua aplicação e realização na ação, não seu
nome. Esse espaço assim mobiliado ganha em densidade, ora se toma habitado ou
deserto sob o efeito da ação manifesta dos atores, envolve o espectador com sua
atmosfera e coloca-o numa situação similar ou análoga a dos atores. Uma
interpretação livre do psicologismo aproximativo obriga o ator a romper o
monolitismo do papel e, ao mesmo tempo, permite a mudança de personalidade no
mesmo espetáculo. Cenas barulhentas se chocam com cenas silenciosas, o riso com
a tragédia, a indiferença com a paixão. Esses acontecimentos se dão em áreas
desconhecidas e vagamente suspeitas. Apresentam-se propostas em outras bases
que não aquelas criadas na base do conhecimento. Elas se reencontram em dois
planos interpenetrantes e ligados: da realidade e da visão.
Cenário-Simbolo
No TEATRO ABERTO, essa aproximação estruturalista dos
fenômenos tenta resolver o problema da impossibilidade de sair do cansativo
movimento circular. Por que é através de objetos desligados de sua função
habitual que ela tende a nos dar a consciência do mito de nossa época.
A simultaneidade da ação confere o papel de exposição de um
espetáculo aos quadros em que os atores se integram nos elementos constitutivos
da composição de conjunto. Esses quadros se relacionam com os antecedentes da
ação do espetáculo, de que constituem o ponto de partida ou a vinheta. Não
explicam o desenvolvimento da ação e desaparecem à medida que ela se
desenvolve. Surgidos da ação de uma maneira inesperada, podem ser seu
prolongamento ou um instante fixado no movimento. Aparecem mais freqüentemente
no ponto de junção de dois acontecimentos de modo diverso.
As roupas dos atores não são as de todo dia, nem roupas de festa.
Materiais diversos, como juta, papel, plásticos, encerado e outros são usados.
A variedade de elementos acessórios inclui latas de conserva, máscaras contra
gás, etc. O objetivo é representar os personagens (e não os papéis) criados
pelo ator, definindo-os não do ponto de vista do estilo da época, mas em função
de sua significação e como expressão de idéias superiores.
Exemplos:
A cenografia da peça de Steinbeck of Mice and Men mostra pessoas
seguindo o seu caminho num espaço que conduz ao desconhecido, contra um fundo
de horizonte longínquo banhado de luz, num caminho traçado pelas linhas do
praticável. Acima de tudo, sobre suas cabeças, formas despedaçadas, perigosas e
dinâmicas, nem nuvens nem aeroplanos.
Na Antígona, de Sófocles, pendem cortinas-dramas e um horizonte
sem saída se abre no fim sobre uma zona de brancura ofuscante. Os elementos da
ação usados são tubos nodosos com sua ferragem estragada. Caem pedaços inúteis
de chapas finas, as estruturas cedem lugar ao objeto. Estopa, pintura grossa,
pano rasgado, plásticos e outros elementos são promovidos a meios de expressão
artística.
Um acessório pode se tornar cenário ou parte dele. Pode ser
empregado num mesmo espetáculo com finalidades múltiplas. Em lugar de um quarto
separado, numa peça de S. Witkiewicz (O Louco e a Religiosa), o espetáculo
oferece um muro em semicírculo com objetos mágicos nos nichos: uma grande
cabeça móvel segue com um olhar indiscreto o que se passa no interior, um velho
relógio quebrado, um grande símbolo plástico balançando de uma forma biológica
indefinida. O balanço da lâmpada e o ruído amplificado do relógio corresponde
ao crescendo emocional do monólogo do louco.
A luz constrói o espaço cênico passando através dos objetos. Cria
um clima luminoso diferente dos fenômenos de dia e noite. Transforma, a cena
aos olhos do espectador, modificando as dimensões e a imagem plástica. Formas
confeccionadas de sacos de juta rasgados, materiais plásticos e pedaços de
metal colocados atrás do véu do horizonte se revelam ou desaparecem sob efeito
de jogo de luz apropriado. Essa luz modifica as circunstâncias da ação, situa-a
no tempo, que ela pode deslocando-se, nivelar a dimensão sem comprometer por
isso a unidade do interesse dramático.
A espontaneidade avizinha-se aqui de uma sóbria disciplina, e uma
súbita pausa na ação ou um gesto prolongado dão relevo à palavra.
A agonia de um gesto ou de um som subtrai o ator ao seu ambiente,
permitindo-lhe atingir um isolamento interior completo.
Pelos contrastes de ação e mudança de ritmo, o ator descarrega a
tensão, libera o elemento cômico levando a platéia diretamente a uma atmosfera
de grotesco ou gracejo. A ação cênica se relaciona com os reflexos e os atos
humanos fundamentais. O natural e o artifício, a luta com a passividade, a
angústia estimula a vida, a morte inspira calma. Na estrutura desse teatro, a’
palavra vive da multiplicidade de funções que ela assume. Desligada dos atos
por uma forma declamatória, seu sentido se esvazia. Esse importante meio de
comunicação só vale pelo personagem a serviço de quem se coloca. Assim, um
teatro que se diz criador não deve se limitar a uma interpretação meramente
literária de uma peça. Um ato criador coletivo oferece as maiores oportunidades
à expressão das verdades complexas sobre a vida de nossa época. Em relação à
peça, o espetáculo deve se tomar uma qualidade nova, autônoma considerada de
muitos pontos de vista ao mesmo tempo.
O CENÁRIO
É interessante fazer-se uma comparação das realizações de
Max Reinhardt com as realizações de Vanguarda. Ambas dão grande importância ao
cenário. No fim da primeira guerra, Reinhardt foi obrigado também, diante da
carência das matérias-primas e dificuldades financeiras, a renunciar a todo
esplendor cênico. Viu-se então obrigado a lançar mão de luz e sombra para
animar um cenário fixo e criar uma atmosfera. Causas semelhantes conduzem a
resultados bem diversos, nas peças de Ionesco e Tardieu, por exemplo. Em
“Vítimas do dever”, de Ionesco, um refletor faz surgir da sombra um retrato
escondido até então, mas cujos traços são descritos por um dos atores. Não há
nada simbólico nisso e o artifício luminoso serve apenas para aliviar um
momento de linguagem. Da mesma forma, em “A Fechadura”, de Tardieu, a luz
começa a diminuir progressivamente, enquanto que somente o enorme buraco da
fechadura permanece iluminado. Trata-se ainda de acumular num único momento,
para bem marcá-lo, elemento de choque. Entra finalmente a música, pois ao mesmo
tempo em que a sombra vai ganhando terreno, ouve-se urna nota estridente que, a
princípio fraca, acabará por tornar-se ensurdecedora. Não se trata mais daquilo
que poderia parecer fundamental ao teatro. Iluminar um cenário, no sentido de
fazê-lo viver. O cenário, pelo contrário, é sem alma, fora de qualquer tempo e
de qualquer local. Assim, a fuga ao tempo, ao tédio, em “Esperando Godot”,
finca-se somente nos personagens: Pozzo e Vladimir, mais uma estrada com uma
árvore, a única coisa viva, nunca um local familiar. E essa soberana abstração,
esse espaço vazio de Beckett encontra seu equivalente nos muros fechados de
Ionesco. Interior burguês inglês, gabinete de trabalho, interior pequeno
burguês. Tudo isso fez ressaltar o mesmo problema, a mesma incomunicabilidade.
Cada um dos elementos atinge a altura de personagem. Não se trata de um quarto,
mas sim, “o quarto, “o” escritório, “a” praça pública, que são descritos, ou
melhor, impostas. Nada mais significativo do que algumas indicações de Adamov
para “A Paródia”, dar impressão do preto e branco, a encenação deve suscitar a
desorientação. O cenário não varia em sua composição essencial, mas unicamente
na disposição de seus diferentes elementos. Apresenta as mesmas coisas sob
ângulos diferentes. Desorientação, recusa do familiar, o cenário deve apenas
falar pelos seus silêncios. Os meios fáceis devem ser recusados porque o
cenário assume uma função particular em relação a palavra.
Essa função deve ser inversa a dos cenários das peças burguesas.
Neste a beleza dos salões pintados à autônoma, julgada pelos aspectos
exteriores, capazes de agradar aos olhos. Sobriedade ou falso brilho torna-se
apenas questão de gosto. Na maioria das vezes o cenógrafo ultrapassa o cenário
e naturalmente o autor. “A imagem é preferida à coisa”. É contra esta forma que
se revolta Jean Vauthier e a precisão de suas metas sobre a encenação de
“Personagem combatente” indicam uma tomada de posição.
O cenário apenas tomará a palavra após tê-la recebido do ator e da
platéia. Sabemos que todo cenário é dotado de uma linguagem e que será difícil
não usá-las como de hábito. Mas no texto de “O Personagem Combatente” fazemos
o possível para amordaçá-lo incontinenti. Dele quase nada escapa, a não ser um
canto bastante forte, à boca fechada, influência simplificada simplista. Não
ignoramos que, apesar de tudo existe a ação do cenário. Mas ela se torna antes
de tudo, uma ação inevitável, primeira, primária, predecessora. Está presente,
mas como em repouso. “Que se expulsa o inautêntico e a volúpia do gracioso.
Abaixo os ídolos”.
OS
ACESSÓRIOS
Se a peça se faz acompanhar de uma evidente secura
cenográfica, essa autenticidade procurada, no entanto, somente se satisfaz com
uma verdadeira proliferação de objetos. Pode-se mesmo dizer que o Teatro de
Vanguarda é um teatro de acessórios. Evidentemente têm eles um papel definido e
a contradição entre a presença de um e a ausência de outro é apenas aparente.
Com efeito, se os cenários devem se impor por si mesmos, sem, contudo se
excederem, os objetos por sua vez são dotados de uma vida, que pouco a pouco se
ergue contra os homens, ou então, em alguns casos, tornam-se seus cúmplices. Em
“O personagem combatente” procuramos ao vivo essa ligação que vai de submissão
ao domínio. Cenários e objetos tornam-se uma coisa única, simples elementos
realistas oriundos “da mudança direta de uma loja de quinquilharias para o
tablado”.O cenário latente assume vida com a chegada do personagem nesse quarto
“muito pobre, mas assustadoramente ornamentado”. Somente então os objetos
assumem um sentido preciso, fiéis a lembrança do escritor. Guirlandas,
lanternas e belas de vidro, estranhas ao seu passado levantam-se tal qual
inimigos mudos, escondendo as velhas paredes. Inversamente é na velha poltrona
sem detalhe algum, portanto intimamente ligada a ele, que o personagem espera
reencontrar a natureza perdida. Beckett expressava o mesmo quando fazia de
Lucky um ser que precisava do chapéu para pensar. Para aniquilar o escravo, o
senhor lança por terra o chapéu, pisando-o, e dizendo ao escravo que, daquela
forma, não podia mais pensar. De escritor de “O personagem combatente”, ao
escravo de “Esperando Godot”, a presença ou ausência de objeto ressuscita ou
aniquila.
Mas o objeto-demiurgo não se contenta em existir simplesmente pela
presença. Age também. No “Teatro de Câmara” de Tardieu onde muitas vezes a cena
“não representa nada”, o objeto complica a ação por um comportamento que não
lhe é estranho. Chegam mesmo a tornarem-se centro de atenções, como provam os
títulos dessa coletânea: “O móvel”, “O guichê”, “A fechadura”, etc. Em “O
móvel”, esse impede a palavra de comprador: “...é que frio é um móvel vazio,
senhor, um móvel sem alma... é infalível, nós pobres humanos é que somos
passíveis de erros...” Os objetos erguem-se contra os homens e o fim lógico
desse duelo não pode deixar de ser a morte do comprador, morto pelo móvel. O
desregramento do objeto ilustre à vacuidade das ações humanas. Nesse texto, é o
móvel o assassino. Em “A cantora careca” de Ionesco, um pêndulo dá as badaladas
que bem entende, sublinha as réplicas demonstra espírito de contradição, indica
sempre o contrário da hora exata, bate cada vez mais nervoso e finalmente “não
bate”. O objeto perdeu seu verdadeiro sentido.
Muitas vezes o objeto cresce a tal ponto que obscurece tudo quanto
cerca. A fechadura enorme abrange inumana toda a noite. As cadeiras, da peça do
mesmo nome, de autoria de Ionesco, proliferam em volta de dois velhos
sufocados. A abundância da presença material expressa a invencível solidão
espiritual dos protagonistas. O tema é em “O novo inquilino”, onde os móveis
invadem a cena vazia, transformando-a em uma espécie de túmulo. E em “Como se
livrar disso”, um cadáver expulsa os atores. Mundo vazio, mundo pesado e
assustador. A incomunicabilidade e a solidão dos personagens é transmitida pela
ignóbil presença dos objetos, povoando um universo desolado.
ATORES -
FIGURINOS - MÚSICA
A personificação do objeto impõe ao ator uma maneira de ser.
As reações dos personagens devem ser traduzidas de maneira diversa das reações
verificadas no teatro burguês. Na realidade as indicações do autor ao encenador
parecem ser de duas espécies. Ora a adesão ao texto exige maior sobriedade
mímica, passando o ator facilmente à classe de objeto, tornando-se então
bastante próximo a caminho de cadáver-objeto. Outras vezes deverá o ator
opor-se aos objetos de maneira dinâmica e seu comportamento atinge as raias da
pantomima. O “Prof. Terrane”, de Adamov, rijo e inseguro, põe em dúvida sua
própria existência e pertence muito mais ao sonho de que à realidade. Os
personagens de Beckett indagam-se uns aos outros: “vocês são em verdade seres
humanos? A noção de tempo acaba por lhes ser estranha e o gesto nada tem mais a
ver com a palavra”.
Ao final, o escravo reduzido pelo senhor a condição de objeto pode
também desregular. O mecanismo mental de Lucky encalha-se como o móvel de
Tadieu.
A fixidez dos tipos é mantida pela continuidade de sua atitude:
“de um extremo a outro da peça cada personagem principal deve conservar uma
atitude, uma maneira de falar que lhe seja peculiar”. (Adamov em “A Paródia”).
De mais a mais Adamov insiste, que essas indicações não tem outra finalidade de
que sublinhar o caráter de paródia que tem a peça. No entretanto devemos nos
abster de qualquer estilização. O comportamento absurdo dos personagens, seus
gestos, falas, etc, devem aparecer absolutamente naturais e próprios, ávida e
cotidiana.
Em Vauthier, ao contrário, a maneira de representar está bem
próxima do comportamento cênico de um bailarino. Isto porque os personagens não
têm reações diante dos acontecimentos, tornam-se mais secretos ainda, devido
aos seus estados de alma. Neles o acontecimento gira em torno e dita figuras
ritmadas, com paradas bruscas e retornos, provocados por rupturas de intenção,
sarcasmos, violências, lamentações.
Os gestos na maioria das vezes são os da vida real, tendendo ao
ballet, a menos que não sejam autênticos. Em “O Capitão Boda”, da extrema
mobilidade das atitudes mentais depende a exteriorização luta consciente ou
inconsciente do personagem. O dilúvio de palavra lançada aos objetos pelo
“Personagem Combatente”, a luta travada contra as paredes de seu quarto de fogo
devem ser muito mais um esforço patético, do que um simples delírio verbal. Ele
permanece de pé, o máximo de tempo, a boca não se fechando nunca por causa das
palavras. Há na peça em muitos momentos um cansaço obrigatório que deve se
coadunar com as torrentes da chuva.
Ator-cadáver, ator-dançarino, essas duas concepções não deixam de
evocar conjuntamente, Artaud e Craig. Para este o ator ideal deveria saber
conceber e representar os símbolos de tudo quanto existe na natureza. Para
Artaud, o corpo é possuidor de um sopro vindo do recôndito organismo e que
perfeitamente se transporta aos mais altos parames, onde o corpo superior o
espera. No limite e para tornar visível a expressão anímica em mais aos traços,
a máscara ou as sombras chinesas que vão de “Ubu Rei” a “Tiago ou a submissão”,
passando por “Capitão Boda”, pretendem apenas substituir as ridículas
expressões do rosto humano. Vem daí a perda da função das vestimentas. Como
poderão elas tornar precisa uma ação que se desenvolve fora do tempo? Só poderá
cair no anacronismo buscando o fantasioso e acomodando-se com o valor do
símbolo. Em “A Paródia”, as mudanças de roupa de Lili, simbolizam seu caráter,
enquanto as vestimentas dos outros atores permanecem as mesmas no desenvolver
de todo o espetáculo. Corpo vivo, móvel, plástico, o astro joga com o universo
inteiro e recebe a linguagem sussurrada da realidade. Aparecem, pois outros
meios além do gesto e da voz; a música, o ruído, o rádio. Em “Conversação
Sinfonata” de Tardieu, o próprio personagem participa disso, pois os
componentes do coro falam o mais possível sem modulação cantada, unicamente com
os efeitos do ritmo ou da intensidade. Não representarão o sentido do que
dizem, como costumam fazer os atores, mas o som, como se fossem
instrumentistas. Haverá, pois um contraste entre o que dizem e atitude que
permanecera séria e impessoal, com essa espécie de afastamento próprio a certos
músicos profissionais que fazem o possível para tocar bem, conservando-se, no
entanto aparentemente longe do que está fazendo. Muitas vezes, como no caso de
“Todos contra todos”, os ruídos são serenos e o rádio desempenha o papel de
coro antigo. Já em “Capitão Boda” os ruídos produzem um efeito de choque e
assumem devido a sua procedência externa um caráter de hostilidade implacável.
Papel mecânico exercido pelo fonógrafo, apitos de trem na noite, barulhos de
ferro em pequenas vigas, campainhas estridentes, ainda que nada mais
representem do que objetos, coisas indefinidas, estranhas ou banais contribuem,
no entanto para criar não uma atmosfera, mas um mundo concreto, cheio de
signos, obviamente estabelecidos.
Teatro de Vanguarda transtorna o repouso dos sentidos. Restabelece
a noção das figuras e dos símbolos-tipos, que agem como “cóupa de silenos”, de
point d’argne, dos arrêts de sang, dos appels d’humour dos pousees inflammeteiros
d’imagem dans nos tête brusquement réveilíces” (Artaud - Le theatre et sem
deubre”). Cenário, personagens, objetos, músicas são elementos necessários a um
espetáculo cujo objetivo é provocar. Provocação pela ausência, provocação pela
presença excessiva. Sempre e até nas coisas surge a idéia do coito, da luta, da
mortandade. Os textos citados mostram muito bem a identidade do papel assumido
pelo aparato cênico nas peças de Ionesco, Tardieu, Beckett, Vauthier ou Adamov.
Somente esta, pelo menos em “Ping-Pong” parece afastar-se dos atributos do
Teatro de Vanguarda, dando-lhe um novo sentido, muito mais inscrito na
história, recusando-se a dizer como o inventor de Vauthier: “Meu mérito, se
existe, é o de ter redescoberto velhos modelos, agora já bastante aperfeiçoados
e tê-los colocados na ordem do dia”. Mas nesse ponto, o estudo do conteúdo vai
além do estudo da técnica propriamente dita.
Trabalho elaborado por
CARLOS
PINTO
NOTAS SOBRE ALGUNS DIRETORES
ANTONIN ARTAUD
Já em 1924 aspirava escapar das limitações do placo italiano
abolindo o caráter fixo da relação público e espetáculo. Teorizou que o palco
pudesse ser deslocado de acordo com as necessidades da ação. Infelizmente nunca
teve a coragem de por em prática as próprias idéias e até nos empreendimentos
mais ousados sempre ficou ligado à estrutura à italiana.Artaud denuncia o ator
ocidental coerentemente com a sua recusa de qualquer teatro governado pela
psicologia e, de modo mais geral, pelo texto literário. Quando descreve o ator
de Bali, ele exprime, pelo contraste, a sua aversão ao realismo ocidental.
Artaud sonha com um ator que consiga libertar-se dos imponderáveis
circunstanciais e renunciar à sua "liberdade de interprete, alcançando uma
disciplina vocal e um domínio corporal tão totais que se torne capaz de emitir,
no momento oportuno, exatamente o "signo" que é solicitado a
produzir. Uma supermarionete em suma. O que Artaud denuncia na prática
ocidental é um duplo condicionamento, uma dupla alienação: submissão ao
significado ou à ressonância psicológica das palavras, submissão ao estereótipo
mimético. Artaud recrimina o ator ocidental por ter perdido a faculdade do
grito.
AUGUSTO BOAL
Criador de várias técnicas teatrais entre quais lembramos: o
teatro fórum, o teatro do oprimido, o teatro invisível. Extremamente sensível
aos problemas sociais representa os seus espetáculos pelo Brasil afora,
exortando os oprimidos a reagirem contra os seus opressores. Mas quais
opressores? "Usávamos nossa arte para dizer verdades, para ensinar
soluções: ensinávamos os camponeses a lutarem por suas terras, porém nós éramos
da cidade grande, ensinávamos aos negros a lutarem contra o preconceito racial,
mas éramos quase todos alvíssimos; ensinávamos ás mulheres a lutarem contra
seus opressores. Quais? Nós mesmos, pois éramos feministas-homens, quase todos.
Valia a intenção." Boal critica o jeito de representar dos atores
brasileiros legados TBC não porque o teatro fosse mal feito mas porque cheio de
trejeitos que impediam o ator de se expressar. Em contraposição Boal introduz
de maneira sistemática as técnicas de Stanislavski que tinha aprendido nos EUA
BERTOLD BRECHT
Rejeita a desigualdade social refletida pela sala italiana e
condena o ilusionismo e a relação alucinatória que o palco fechado possibilita,
nem por isso deixa de conservar na sua pratica os recursos técnicos e a relação
frontal estática que caracterizam a estrutura à italiana. Ele pede que o palco
se torne uma área de jogo, um espaço concebido em função da representação do
ator. O espectador tem constantemente consciência de estar assistindo uma
representação, mantém a distancia dela, não se envolve mas julga criticamente
os fatos que lhe são apresentados. Para Brecht é preciso inventar um outro
ator, portanto novas técnicas de interpretação, ao mesmo tempo em que uma nova
definição de suas tarefas no campo da interpretação. Inventar um ator que pelo
seu desempenho incite o espectador a questionar-se. Questionar-se sobre o
comportamento dos personagens; sobre as ações que estes empreendem ou se
recusam a empreender; sobre as relações de força que subjazem às relações
sociais etc. Um ator que sabia evitar a hipnose do espectador, lembrando-lhe, através
dos processos do distanciamento, que o palco não é a imagem de um mundo
subitamente tornado inofensivo, que o espetáculo não imita a realidade, mas
permite enxergá-la.
CONSTANTIN STANISLAVSKI
O bom ator não deve praticar em absoluto uma representação a base
da emoção. O que deve é utilizar a sua experiência mais íntima para encontrar
dentro de si mesmo uma emoção verdadeira. Ao mesmo tempo, ele deva dispor de um
tal domínio técnico que possa controlar as manifestações dessa emoção: modular
e orientar sua utilização para fins interpretativos. Esse domínio pode ser
adquirido através de um treinamento apropriado baseado num trabalho simultâneo
sobre o corpo, a respiração, a voz ... e numa articulação permanente entre a
introspecção e a interpretação. Esse trabalho deve também travar uma luta
permanente contra as facilidades e os condicionamentos que decorrem de toda
prática teatral mais ou menos submissa às pressões da tradição, dos hábitos do
público, da rotina que vive à custa de uma encenação forçada a repetir-se noite
após noite etc.
GORDON CRAIG
Precisa,
do palco italiano em função da sua estética que exige a imobilidade do
espectador, que, por ele, está observando uma obra de arte, sua única função é
de contemplar e admirar uma criação cujos meios e cuja magia devem permanecer
um mistério para ele. A busca obsessiva pela perfeição em contraposição as
intervenções do acaso e da inconstância humana, sobretudo do ator, fazem Craig
sonhar em um teatro sem ator! Craig pretendia extirpar radicalmente a
espontaneidade e a improvisação. Para Craig o ator que se entrega aos seus
impulsos não pode mais ser considerado como um instrumento confiava do
espetáculo, uma vez que este deve visar a uma rigorosa perfeição formal e a uma
total coerência. "A arte é a antítese do caos, que não passa de uma
avalancha de acidentes." Também ele critica a própria arte do ator, o
caráter mimético da interpretação, a confusão entre o interprete e o personagem
que não passa de um engodo. O desejo de identificação afetiva desemboca na
incoerência (Os acidentes ou nos estereótipos esperados pelo publico).
JERZY GROTOWSKI
A relação entre o público e o ator torna-se uma relação física ou
melhor fisiológica, na qual o choque dos olhares, a respiração, o suor etc.,
terão participação ativa. O isolamento do espetáculo na caixa do palco
italiano, seu afastamento físico do espectador constituem-se obstáculos e devem
ser abolidos. O ator grotowskiano deve rejeitar com absoluto rigor qualquer
vestígio de exibicionismo e de rotina, habitualmente gerados pelo contato
repetido com um público e pela reprodução dos mesmos gestos, do mesmo texto
etc. Isso explica a opção por um espaço de dimensões reduzidas ou de um espaço
fixo. A busca grotowskiana concentrada no aprofundamento da relação
ator-espectador, define-se como teatro pobre, e recusa a ajuda de qualquer
maquinaria. Em compensação o dispositivo poderá ser modificado por completo de
um espetáculo para outro. Em 1961 com a apresentação da peça "Os
antepassados" temos enfim a ruptura total da divisão dos espaços palco e
platéia tornam-se um espaço único. Nos dois espetáculos seguintes (Kordiam: e
Fausto) aperfeiçoam e reforçam essa integração entre ator e espectador que, sem
dúvida, nunca foi tão completa na história do teatro. A novidade mais marcante
do teatro grotowskiano reside sem dúvida numa redefinição de função e da arte
do ator. Este deixa de ser o ilusionista ou o imitador do palco tradicional. O
ator passa a ser o seu próprio personagem, e a representação não é mais a
simulação, quer realista ou estilizada, de uma ação, mas um ato que o ator
cumpre, e cuja essência ele tira do mais profundo de si mesmo. É o ato do
desvendamento.
ZEAMI
"Conhecer o Nô significa conhecer os procedimentos relativos
a flor. Esses procedimentos nada mais são do que conhecer-se a si mesmo,
conhecer o outro e reconhecer o momento propício." Substancialmente a
flor, segundo Zeami, não é outra coisa se não o insólito que sente o
espectador, ou seja, a flor é a imagem do Belo que suscita o sentimento do
espectador através da linguagem de representação. Assim, o Belo da flor que se
reflete nos olhos do público e a alma da flor que nasce do sentimento do ator,
formam o verso e o reverso de uma mesma flor, que se misturam sutilmente,
refletindo a complexidade deste termo. podemos reconhecer três níveis nos graus
de arte concebidos por Zeami: O nível do grau de bem estar (este grau de
perfeição vem alcançado pelo ator após numerosos exercícios). O nível do grau
de maturidade (O ator graça a sua habilidade transforma um estilo incorreto em
correto).E o grau da maravilha (Onde todo pensamento ou idéia desaparece para
deixar lugar apenas a maravilha).
LEE STRASBERG
Ator, diretor,
e professor proeminente de Interpretação Cênica, Lee Strasberg nascido em
Budanov, Áustria, a 17 de novembro de 1901, e morto em 17 de fevereiro de 1982,
ajudou a formar gerações de atores americanos com "O Método", técnica
introspectiva que ele adaptou de Konstantin Stanislawsky. Tendo estudado no
American Laboratory Theater, Strasberg, Harold Clurman, Elia Kazan, e outros
fundaram o Groupe Theatre em 1931. Uniu-se ao famoso Actors Studio em 1947
sendo seu diretor artístico de 1948 a 1982, quando formou atores famosos como
Marlon Brando, Paul Newman, e Julie Harris. Strasberg expôs os seus princípios
de interpretação cênica no livro “Strasberg no Actors Studio” (1965). Sua
estréia como produtor foi no filme “O Poderoso Chefão, Parte II” de 1974.
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